Dois amores carece de intensidade

Foto: Divulgação
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Crítica do espetáculo Dois amores e um bicho, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

4 de agosto de 2014

É louvável, no texto Dos amores y un bicho, do venezuelano Gustavo Ott, a capacidade do autor de sobrepor elementos em camadas do que constitui o humano, com suas zonas tenebrosas que assustam quando expostas. Mas sua encenação exige, como em Beckett, que esse teatro seja o espaço da essencialidade da linguagem. A montagem da Cia. Experimentus Teatrais, de Itajaí, Santa Catarina, não conseguiu extrair as sutilezas da situação e as personalidades fissuradas dos personagens envolvidos em Dois amores e um bicho, apresentada na IX Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo, em São Paulo.

A peça tematiza a intolerância. A partir de uma crítica do dramaturgo ao preconceito homossexual, um dos mais arraigados da humanidade, da submissão da mulher e o desmoronamento do pai como herói.

Com direção de Daniel Olivetto, Pablo (Marcelo F. de Souza) interpreta o pai, que 15 anos antes espancou o cachorro Cabral até a morte, quando descobriu que ele tinha relações homossexuais com outro cão. Por isso ele foi preso, ficou 40 dias na cadeia e saiu após pagar uma fiança de 5 mil dólares. O assunto nunca mais voltou à tona na casa.

Até aquele dia em que ele e a mulher (Sandra Knoll) vão ao zoológico visitar a filha, já médica veterinária (Jô Fornari), e ficam sabendo que um orangotango está numa jaula separada porque molestou outros animais. O passado volta para prestação de contas com o presente.

O protagonista tem um ódio mortal aos homossexuais.

Bem, o problema me parece que esse sentimento do personagem contaminou toda a encenação, e o que deveria ser um posicionamento em defesa da liberdade fica amarrado ao preconceito.

Era preciso ressaltar o que Ott nos diz com inteligência e sagacidade. É urgente respeitar verdadeiramente as diferenças (e como isso é difícil). Nessa metáfora da relação de poder do homem sobre o homem, um dia o subjugado por dizer “chega!”, como ocorre na peça com a figura da mãe. Casada há 30 anos com a aquele homem, chega um momento em que ela fala que quer ter um filho “com outro homem”, usando da ironia e o humor negro que valorizariam os diálogos em todo o espetáculo.

Pablo exige do ator uma grande intensidade dramática. Ele é o articulador de um universo que aparentemente está em paz. Mas no sótão da memória estão guardados acontecimentos ocorridos 15 anos e uma pergunta desencadeia o desmoronamento de uma estrutura que já estava apodrecida por dentro. O personagem é figura cênica ameaçadora, mas que tem suas fragilidades. A questão é que o intérprete salienta o lado infantilizado do personagem e com isso diminui a complexidade do papel. Seu Pablo é indeciso, com um risinho irritante a cada vez que se sente questionado. Faltou o caleidoscópio de emoções. Faltou a tensão da agressão física e psicológica.

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