Sensualidade de corpos-poemas

Foto: Nityama Macrini
Foto: Nityama Macrini

Crítica do espetáculo Los Cuerpos, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

Cena Contemporânea 2015

31 de agosto de 2015

O espetáculo Los Cuerpos transporta uma carga erótica desconcertante. Uma energia masculina, viril. Corpos jovens, vigorosos, com técnica dominada. São dois homens que aparecem com cabeça de cavalo, numa visão quase mítica vinda das sombras. São centauros reversos. Força de guerra entre civilização e barbárie. A coreografia, interpretada e dirigida por Ramiro Cortez e Federico Fontán, ressignifica a cada momento nessa proposta impactante. O duo de dança contemporânea foi vencedor da categoria de Projeto a Desenvolver na Bienal de Arte Jovem de Buenos Aires, Argentina, de 2013. Depois disso já frequentou vários festivais.

Com o palco vazio, os jovens criadores inundam a sala com esfinges. Desejos que explodem. Luta corporal. Desafios das carnaduras. Eles colidem, batem, provocam, tocam, se arrastam, beijam. Instinto de corpos selvagens. Jogo de dominação. Narciso e seu espelho.

Nesses tempos de vigília do corpo e de seus desejos enquadrados em códigos de consumo, a coreografia de Ramiro Cortez e Federico Fontán se manifesta como posicionamento político pela liberdade mais pura, por impulsos indomáveis.

A maioria dos movimentos é realizada no chão. Eles trabalham em vários eixos em empreitadas árduas. A brutalidade sobrepõe à sutileza nessa aposta em que há o tempo da fusão dos corpos.  A dinâmica do duo desperta paixões.

Eles traçam uma cena corajosa, com gestual incomum, por vezes contínuo, repetitivo. Em situações insinuantes de invasões de territórios, com braços ou pernas, os bailarinos empreendem lances difíceis. Provocam um ao outro. Seus ventres se contraem e expandem.

Com o tórax desnudo e usando a apenas calças pretas (em figurino de Alejandro Mateo), eles transpiram libido e fornecem munição para a fantasia do espectador.

A iluminação de Paula Fraga conduz o olhar da plateia, clareando os trechos do palco para revelar situações ou deixar os corpos na penumbra.

Amantes. As cabeças equinas atuam como máscaras que abrem comportas do desejo. Fisicalidade animal. Corpos exaltados. Respiração ofegante. Expressão de violência erótica. Eles desafiam seus próprios limites.

A pulsação, a batida, os deslocamentos são conceituais. Em uma operação de movimentos elegantes e fortes, um calcanhar de um deles é absorvido pela boca do companheiro. Eles prosseguem o movimento sem separar-se. O trajeto de ambos parece uma alavanca. É um jogo de energia, quando um deles tenta separar-se, o outro ataca sua presa. Eles chegam a fundir-se.

Há o gozo. Eles se debatem no chão separados. A música de Martin Minervini, eletrônica e minimalista, possibilita esses cortes abruptos. Tentativas de mudança de direção.

É de extrema plasticidade esses jogos que testam os limites de cada um. Insaciáveis pela dança, os corpos são carregados de densidades, sensualidade, timbres. As envergaduras traçam ousadias. E se renovam nesses corpos-poemas.

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