Crítica do espetáculo Caminos invisibles…La Partida, da Cia Nova de Teatro, por Pollyanna Diniz (Satisfeita, Yolanda?)
X Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo
6 de novembro de 2015
Lidar com o real no teatro revela-se uma equação complexa. No artigo Entre mostrar e vivenciar: cenas do teatro do real, escrito por André Carreira e Ana Maria de Bulhões-Carvalho para a revista Sala Preta, os autores afirmam que “os espetáculos que utilizam o real como matéria, ou dialogam com o real como tema, pedem uma reflexão sobre como podemos construir percepções do real que se projetam para além do efeito imediato, sustentado principalmente pela informação de sua presença na cena”. O espetáculo Caminos invisibles…La Partida, da Cia Nova de Teatro, envereda pelo desafio de tratar da trajetória de imigrantes que chegam ao Brasil e são cooptados por um sistema cruel de subjugação. A montagem, com direção e dramaturgia de Carina Casuscelli, e direção artística e iluminação de Lenerson Polonini, participou da X Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo com apresentações no Centro Cultural da Juventude, no extremo norte de São Paulo.
Na montagem, brasileiros e bolivianos dividem o palco para retratar a situação de imigrantes sul-americanos que chegam ao Brasil em busca de melhores condições de vida, mas acabam empregados em fábricas de costura, tornando-se vítimas do trabalho escravo. A narrativa se desenrola principalmente através da história da personagem principal, uma boliviana interpretada pela própria Carina Casuscelli. Mesmo que o papel principal seja de uma brasileira (que realmente parece boliviana no palco), a potência da montagem me parece calcada basicamente no fato de que os bolivianos (há uma banda de bolivianos fazendo a música do espetáculo ao vivo, além das mulheres da fábrica e de um feitor) estão em cena, como documentos de suas próprias histórias, testemunhos vivos, conferindo abrangência de possibilidades narrativas e, claro, legitimidade à proposta teatral inicial. Mesmo que não tenha acontecido de forma literal com aqueles bolivianos, isso não fica claro, o enredo principal é fincado no real. Todos os andinos ali, certamente, de alguma forma, já sofreram as consequências de serem estrangeiros no Brasil: fronteiras raciais, preconceito, invisibilidade social, injustiças.
A questão é que, ainda que o principal argumento da encenação sejam os imigrantes e eles estejam em cena, há muitas armadilhas pelo meio do caminho. A narrativa, apesar de tentar englobar vários âmbitos da questão, faz isso de maneira bastante superficial. Os personagens caem facilmente na caricatura: o feitor que, mesmo sendo boliviano, obriga as mulheres a trabalhar incessantemente; uma jornalista de televisão que entrevista uma estilista deslumbrada; a polícia carrasca e desonesta; o político corrupto; o pastor que se aproveita dos outros. As interpretações, em sua maioria, estão na chave do histrionismo, do sensacionalismo, não permitindo nuances e enveredando por radicalizações.
Além disso, na cena tudo está dado de forma “mastigada”, não esboçando as complexidades, as diferenças, os conflitos, de maneira que o espetáculo tentasse possibilitar ao espectador criar suas próprias perspectivas sobre o tema. A capacidade desse espectador é negligenciada, numa montagem em que não há espaços para associações, questionamentos, interpretações. Como exemplo, a última fala da peça resume o tema/resultado da encenação, como se isso já não houvesse ficado claro o suficiente.
A direção ainda envereda pelo uso da linguagem audiovisual, principalmente quando faz projeções de cenas. Mas o recurso não traz outras camadas que possam causar qualquer fricção com o que já se mostra estabelecido na encenação. Para o desenrolar da dramaturgia, não faz grande diferença ter a presença do diretor em cena que, no caso, exerce o papel de cinegrafista em momentos específicos da peça.
Se a ideia do projeto é rica em possibilidades, a concretização da cena pouco possibilita ao espectador a experiência da troca. Seja qual for a temática, em se tratando ou não de imigrantes, talvez uma das chaves esteja na capacidade de enveredar por estratégias de encenação que enxerguem o outro não como um espectador que precisa ser doutrinado, mas como alguém capaz de estabelecer conexões e reflexões entre arte e vida real de maneira mais autônoma.