Margem de erro, para mais ou para menos

Foto: Caio Nigro/Estúdio Zut
Foto: Caio Nigro/Estúdio Zut

Crítica do espetáculo 100% São Paulo, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

MITsp 2016

7 de março de 2016

Cada uma das 100 pessoas escolhidas para participar do espetáculo 100% São Paulo se enquadra em um ou mais critérios estatísticos que refletem a demografia da cidade, com base em dados do censo. Esse recorte busca traçar um determinado mosaico da maior e mais rica cidade da América Latina. Esse conjunto de desejos múltiplos e fragmentados, hábitos e visões de mundo tão diversos não resulta numa identidade coletiva. A presença desses habitantes de pontos diferentes da metrópole reforça a complexidade que as estatísticas não conseguem traduzir. Fica na margem do irrepresentável. Mas neste nosso mundo marcado pela “crise dos representados”, o projeto 100% City dialoga com diferenças e abre espaço para a alteridade no palco.

Pela primeira vez o Theatro Municipal de São Paulo abriga uma encenação da programação da Mostra Internacional de Teatro – MITsp. E é bastante simbólico que seja com um trabalho que busca espelhar a população da cidade com não atores em cena, ou “especialista/expert de sua própria vida”, como definem os diretores da Companhia Rimini Protokoll, dirigida por Helgard Haug, Stefan Kaegi e Daniel Wetzel.

São pessoas com cara de gente comum que trazem dados biográficos ou testemunhais para dialogar com a pólis em que moram e com a plateia. Esse acesso ao real para a construção de sentidos também passa por uma tensão entre o real e pitadas de ficcional que cada um  leva para o palco.

Esse teatro do real quer sentir a pulsação do mundo, nesse caso do espaço recortado da São Paulo por seus habitantes, muitos que nasceram em outros estados e até estrangeiros. Essas reflexões sobre a cidade rechaçam a ideia de uma realidade unitária. A presença dessa alteridade torna possível entrever a miscelânea de pontos de vista. Mas isso não é muito garantido, pois os “especialistas” podem ficcionar a verdade sobre si. Mas, para os diretores, não é isso o que mais importa, e sim como cada um desses atuadores se apresenta e o papel que assume para entrar no jogo. São eles que constroem um sentido com suas presenças.

Não sei se essa estatística viva, com apresentação e enquetes sobre política, religião, sexualidade, hábitos e outros, corresponde às realidades tão díspares de São Paulo. Mas essa prática criativa carrega uma potência de envolvimento e da experimentação estética por outros atores sociais, permitindo transgressões da representação. É emblemática a pergunta se alguém daquele grupo já havia pisado no palco do Theatro Municipal, deu zero por cento. Talvez, se a pergunta fosse se algum deles já tinha ido ao Municipal como espectador revelasse mais.

Os fluxos de pertencimento dos participantes entre uma situação e outra, as cartas embaralhadas e as sobreposições dessa prática performativa convocam dimensões críticas com a aproximação desses desconhecidos entre si para partilharem opiniões sobre várias questões objetivas e subjetivas. Isso faz oscilar entre o que representa e o que não representa os que estão do lado da plateia.

No cenário, um grande círculo verde, que apresenta detalhes filmados de cima. O caráter cíclico da vida é mostrado em várias ações.

Durante os seis ensaios realizados com o grupo e as duas apresentações, o coletivo promoveu uma proximidade, sinalizando para o entendimento de respeito entre os desconhecidos. Isso reverbera. A saída temporária do anonimato de cada um deles reforça ações políticas de tomada de posição.

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