Crítica a partir do espetáculo The Mother, por Daniel Toledo (Horizonte da Cena/DocumentaCena)
Cena Contemporânea 2015
Grosseira, alcoólatra e à beira da loucura. É com essas e outras palavras de semelhante calibre que se apresenta ao público a personagem central de The Mother, peça escrita em 1924 pelo dramaturgo polonês Stanislaw Ignacy Witkiewicz – ou simplesmente Witkacy. Àquela altura, a Polônia ainda sofria os efeitos da 1a Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que celebrava cinco anos de independência após permanecer, por mais de um século, dividida entre os impérios russo, alemão e austríaco.
Mas enquanto uma onda de otimismo parecia tomar conta da nação recém-empossada, a peça de Witkacy, como se previsse a tragédia que viria apenas 15 anos depois, com a eclosão da 2a Guerra a partir da invasão da mesma Polônia por exércitos russos e alemães, traz à cena um quadro marcado pela deterioração afetiva de uma família para a qual o futuro parece muito pouco promissor. “O ser humano já não faz mais sentido”, repete a mãe, em diferentes momentos do espetáculo.
Nesta montagem, assinada pela atriz polonesa Jolanta Juzskiewicz em parceria com o diretor tadjique Anatoly Frusin, todos os personagens são vividos pela mesma intérprete, que se apropria de elementos do texto, tais quais o alcoolismo, o uso de drogas e permanente ameaça da loucura, para transitar, sobretudo, entre os papeis da mãe, Nina, que conduz boa parte da peça, e de seu filho, Leon, qualificado pela própria mãe como inútil, idiota e sonhador – adjetivos ali tratados como equivalentes.
Se, nos primeiros instantes, a partir de uma visualidade quase escultural, a encenação se anuncia como uma espécie de instalação montada ante ao público, o texto de Witkacy rapidamente se converte no principal motor da cena, apresentando-se, de início, como um fluxo de pensamentos em voz alta que ressaltam a solidão da personagem. “Tenho certeza de que não há ninguém aqui”, afirma Nina, em uma de suas primeiras provocações ao público, constantemente desconcertado pelas irônicas observações da indelicada senhora.
Aos poucos, contudo, outros personagens são sugeridos, tal qual Leon, seu famigerado filho, e Dorothy, uma espécie de ajudante a quem Nina vez ou outra pergunta ou pede alguma coisa. O monólogo inicial passa a incluir, então, pequenos diálogos que atribuem complexidade à encenação e à relação da intérprete com o público, conquistando a cada instante novas camadas e novas possibilidades de fruição. “Talvez eu esteja morta”, sugere ela, em dado momento. “Talvez já esteja ficando louca”, pondera, algum tempo depois. “Ninguém sabe quem é”, sentencia, por fim.
Entre um gole de vodka e outro, Nina entoa alguns cantos católicos e conta encontrar no tricô o precário sustento da família, dando a ver alguns traços marcantes da cultura polonesa traduzidos em uma cenografia mínima, filiada ao chamado Teatro Pobre que, não por acaso, teve origem naquele país. Após deixar escapar desajustados traços relacionados ao próprio comportamento e à relação com o filho, ela pede desculpas ao público e atribui à própria história a perda dos bons modos. “As boas raças nunca ficam grosseiras”, observa, novamente entre o lamento e a ironia.