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Cheiro forte de vinho barato

Foto: Fernanda Pessoa
Foto: Fernanda Pessoa

Crítica do espetáculo Metrópole, da Inquieta Companhia de Teatros, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

7 de agosto de 2014

Metrópole, da Inquieta Companhia de Teatros, joga frestas de luz sobre o lugar da vocação na vida de cada um, e na sua esteira convoca para outras questões como sorte, perseverança, oportunidades. O espectro pode ser ampliado, mas no caso domar e projetar esse talento estão no âmbito das artes, mais especificamente do teatro numa cidade de pedra.

Num piscar de olhos, fui transportada ao longa-metragem Bye Bye Brasil, de Carlos Diegues, de 1979, e sua Caravana Rolidei. A uma cena específica em que o ator alagoano José Márcio Passos, na pele de um poeta que peleja para mostrar escritos a Lord Cigano (José Wilker). No filme, o poeta é preterido por um sanfoneiro arretado. Nos bastidores, José Márcio perdeu o papel do sanfoneiro Ciço, para o ator e cantor Fábio Júnior.

A lembrança me veio porque estão no âmago da discussão entre os dois irmãos da peça esses meandros do caminho artístico. Em algum momento, amargurado, Caetano (o mais velho) diz que foi o teatro que desistiu dele. Ele atendeu ao chamado, mas não foi suficiente para vencer os embates subjetivos e objetivos. Ensimesmou-se.

Caetano “abriu mão” do teatro para fabricar bolos, tortas e pães sob encomenda. Sem avisar, seu irmão Charles aparece para uma visita, ou melhor, para passar uma temporada e volta com esse assunto do teatro, com essa febre do teatro, com esse vírus do teatro. Quer contaminar novamente Caetano. Diz que escreveu uma peça para ele.

O texto é de um jovem dramaturgo carioca, radicado em Fortaleza, Rafael Barbosa. Apreendo influências de Caio Fernando Abreu em sua escritura. Há outras, lógico, mas Caio pulsa mais forte. Em cena estão os atores Silvero Pereira e Gyl Giffony, este segundo também diretor do espetáculo. Em termos de atuação, Silvero se destaca e talvez a atuação de Gyl merecesse um olhar de fora.

Já como diretor Gyl Giffony empreende voo mais alto para materializar essa relação ambígua de dois artistas com a cidade. Na IX Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo, Metrópole fez quatro sessões (duas terça e duas quarta), na Sala de Ensaio 1 do Centro Cultural São Paulo. Assisti à última.

Para chegar ao espaço da apresentação o público desce escadas percorre corredores, é um labirinto. O local escolhido está afinado com a proposta da encenação. Quando o público adentra, o ambiente está escuro. Uma luz tênue de lanterna ajuda a localizar os assentos.

Ainda na penumbra o ator Silvero Pereira começa a contar a história de um garoto que consultou a vidente Agnes e se “descobre” Audrey Hepburn, atriz belga de filmes como Bonequinha de luxo e A princesa e o plebeu. O personagem Caetano conta que os rapazes, os atores daquela cidade correram para saber da vidente quem foram, entre estrelas de cinema e cantoras famosas, em vidas passadas.

Nesses momentos Silvero Pereira canta lindamente numa louvação ao “monstro teatro”. A cena despojada avança.

Depois da revelação desse sonho despudorado, as luzes se acendem e aparece Charles. Um estranhamento inicial se instala e eles se enfrentam feito dois búfalos e aos poucos somos informados que eles são irmãos, com diferenças de posturas com relação ao teatro. Enquanto um desistiu, o outro persiste. Um se trancou no seu apartamento, o outro ainda busca enfrentar o mundo. Espaços abertos e fechados em duelo de metalinguagem.

O espetáculo oscila entre claros e escuros. A plateia está sentada defronte de espelhos. O público fica sentado em dois blocos e suas imagens também estão refletidas. Os intérpretes circulam entre esses blocos de gente, atuando na frente, atrás, e dos lados dos espectadores. Duas portas, de onde eles entram e saem, sinalizam que há saídas. Talvez uma aposta da dramaturgia e da direção de que a suposta falência da vocação não deve ser encarada como absoluta, mesmo com todos os danos e traumas.

Mas é um reflexo pertinente sobre o desalento do ofício de ator (e seus derivados) como proposta profissional que garanta dignidade para custear a sobrevivência. Urgente e latejante.

Os sujeitos às vezes se digladiam na cena, às vezes se permitem delicadezas. O ator batendo ovos em uma tigela cria uma sonoridade estridente que vai marcando a ação em alguns momentos. Os aspectos sujo, urbano e vivo são destacados nas ações com farinha, papel e vinho, no figurino de Charles e nos patins sobre os quais ele desliza.

Na sessão que assisti, numa cena com mais intensidade, o ator Gyl Giffony joga vinho nos espelhos, sem querer quebra um pedaço e se corta. A cena progride mais real, deixando no ar aquele cheiro forte de vinho barato.

Corpos de intervalo

Foto: Fernanda Pessoa
Foto: Fernanda Pessoa

Crítica do espetáculo Carnes Tolendas: Retrato Escénico de un Travesti, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

6 de agosto de 2014

Ao explorar cenicamente uma condição de intervalo entre ser homem e mulher, a atriz Camila Sosa Villada, potencializa a poética do seu espetáculo confessional Carnes Tolendas: Retrato Escénico de un Travesti com trechos da vida e obra de Federico Garcia Lorca. No início da encenação, uma figura toca um tango. Uma outra se multiplica em várias identidades, mãe, pai, facetas da sociedade e o filho travesti. A tocadora de acordeon, que também é a diretora María Palacios, sai. A atriz Camila Sosa Villada se debulha física e emocionalmente e se mistura aos personagens lorquianos.

A atriz trouxe das experiências do passado o material para a construção desse documentário cênico. Mas esses fatos reais recebem camadas de ficção na cena. Seja pela inclusão do universo do poeta e dramaturgo espanhol; ou pelo distanciamento temporal dos episódios, que faz um “ajuste” nessa memória.

É uma narrativa fragmentada em várias vozes. Mas tendo como posto de enunciação a protagonista. Camila transita entre personagens com o seu gestual e o registro vocal, que delimita cada um. São cenas fortes e palavras duras, repressões e ofensas da sociedade. “Eu sangrei em beijos”; “Sois a essência da merda em pó”; “Nesta casa eu não quero travestis”; “Lubrificador transsexual sujo”.

A família rejeita a personagem, e a atriz expõe esses confrontos com as frases ditas como navalhas, para ferir. É uma performance dinâmica e com poucos gestos a intérprete se transforma no pai violento, na mãe submissa, nos exploradores sexuais.

Seu cavalo é bem treinado e exibe excelente técnica teatral. E vai se transformando. Se distanciado daquele ambiente caseiro, para um mundo nada acolhedor.

A atriz leva ao palco roupas do menino que foi: “Faz muito tempo eu estive dentro destas roupas”, constata num melancólico suspiro sobre a impossibilidade de ter filhos e numa alusão também a Yerma, de Lorca.

O figurino e o cenário são minimalistas. O que dá ainda mais destaque às palavras, aos gestos, à atuação.

O Grupo Banquete, de Córdoba, faz uma procissão dos deuses destronados. A carnavalização da cena para sobreviver ao insulamento, aos amores clandestinos, ao autoritarismo. Na concepção de Bakhtin, a carnavalização possibilita a inversão, com os marginalizados se apoderando do centro simbólico.

Essa subversão em Carnes Tolendas vem em torrentes de ironia, apontada para uma sociedade que nega, renega, despreza, diminui, desqualifica. Ao se maquiar, se travestir, ela fala: “Eu tenho nojo dos gordos. Eu tenho nojo dos judeus. Eu tenho nojo das pessoas que limpam os vidros e os sinais. Eu tenho nojo da empregada que limpa a minha casa. Eu tenho nojo dos meninos com síndrome de Down. Eu tenho nojo das prostitutas. Eu tenho nojo dos drogados. Eu tenho nojo dos ladrões”, e conclui dizendo que tem nojo de todos e de cada um da plateia. O público aplaude.

Carnes Tolendas é um espetáculo com dramaturgias textual e cênica fortes, que articula questões importantes da contemporaneidade, com uma poética que destaca as sutilezas humanas e suas frágeis condições. Para fechar sua atuação esmerada, a atriz se expõe em nu artístico num flash, numa imagem fugidia.

Recusa é um ato politico

Foto: Fernanda Pessoa
Foto: Fernanda Pessoa

Crítica do espetáculo Recusa, da Cia Teatro Balagan, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

5 de agosto de 2014

Recusa é mais que um espetáculo. É um projeto portentoso de investigação de identidades, da Cia Teatro Balagan, com direção de Maria Thaís, à partir de pesquisa sobre ameríndios. O resultado amplo escapa aos sentidos numa primeira mirada. Pode provocar estranhamento pela profusão de referências de discursos que foram canibalizados durante o processo de construção da cena. Discursos jornalístico, antropológico, geopolítico e mítico. Mas aqui a lógica é outra.

Foram mais de três anos e meio de pesquisa, inclusive com incursão à Terra Indígena Sete de Setembro, dos integrantes da Aldeia Gãpgir, do povo Paiter Suruí, em Rondônia. Isso criou um caleidoscópio de pontos de vista que exige do espectador uma entrega maior para acompanhar a narrativa.

A direção musical de Marlui Miranda sustenta, embala e projeta as múltiplas vozes em tensão da “multidão” que ocupa o palco: dos dois índios Piripkura; dois heróis ameríndios, Pud e Pudleré, e todos os outros que eles inventam (humanos, animais, espíritos e coisas), metamorfoseando, em padre, onça fazendeiro, cantora e mais.

E também são convocados traços de personagens de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guimarães Rosa. E haja fôlego dos atuadores Antonio Salvador e Eduardo Okamoto.

Para dar conta dessa pluralidade, a Cia Balagan trabalha o teatro a partir de outros paradigmas (que eles foram caçando e devorando), numa reinvenção da linguagem cênica. A identidade é vista de forma plural. A recusa das figuras inspiradoras da peça – de se submeter a um processo civilizatório – é um ato político.

No Dossiê do espetáculo, publicado na revista Sala Preta, em junho do ano passado, os atores explicam que Recusa está ancorada, fundamentalmente, em duas bases conceituais: “perspectivismo ameríndio (canibalizado – e, ao nosso modo, reinventado como cena – do pensamento do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro) e duplicidade (autonomia, e interação de diferenças devoradas nos trabalhos de Beatriz Perrone-Moisés e Manuela Carneiro da Cunha)”.

E detalham: “O primeiro conceito provocou-nos com a impossibilidade do sujeito apreender a realidade em sua totalidade, restando-lhe apenas uma parcela dela ou uma perspectiva sobre ela. O outro lembra-nos que, diversamente do pensamento euro-ocidental, fundado na busca permanente por uma unidade (lógica, coerente em si mesma e, não raro, excludente porque desqualifica tudo o que a ela não se assemelha), o pensamento ameríndio alicerça-se na busca por duplicidade, multiplicidade”.

O espetáculo é narrado e cantado em português e línguas ameríndias ou criadas pelos atores. A fisicalidade dos intérpretes foi forjada na preparação corporal de Ana Chiesa Yokoyama, que inclui os ensinamentos do Butô, o que dá uma leveza aos corpos e como eles atentam “uma nova perspectiva de tempo: não linear, não organizada em termos cronológicos, mas cíclica”.

Recusa desestrutura qualquer ideia preconcebida sobre os ameríndios, rejeita os estereótipos e revela com exuberância traços da riqueza dessas culturas ocultadas por discursos / posições dominantes.

O que dizer sobre a atuação dos dois atores? Aqueles seres que quase voam em cena, que nos encantam com suas vozes, que mergulham num jogo cênico de forma plena e provocam um tsunami na cabeça do espectador (pelo menos, foi assim comigo). A cenografia e figurinos de Márcio Medina, iluminação de Davi de Brito comungam na expressão dessa corajosa experiência artística e de vida.

Transfiguração da carne

Crítica da peça Carnes tolendas, do Grupo Banquete Escénico, de Córdoba

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

 

Destas Carnes tolendas, poderíamos fazer diversos cortes. O trabalho do grupo de Córdoba oferece, como anuncia seu nome, um banquete de possibilidades para a cena. Como numa refeição completa, a peça oferece entrada, salada, diferentes pratos, com temperos variados, sobremesa e aperitivo(s). A dramaturgia – assinada pela diretora María Palacios e pela atriz Camila Sosa Villada – é heteropoética, ou seja, as regras mudam a cada cena, que é ora depoimento, ora citação, ora comentário, deslizando do mimético ao performativo numa dinâmica que de tempos em tempos vai renovando o pacto com o espectador.

Foto: Juan Manuel Alonso.
Foto: Juan Manuel Alonso.

A imagem da atriz, seu corpo, sua voz e sua presença nos convidam a entender o seu organismo complexo, que supera a oposição entre homem e mulher e constrói um lugar de beleza da convivência entre masculino e feminino. A dimensão confessional do trabalho aparece tanto no corpo de Camila quanto na construção do texto e na encenação. Dos poucos objetos utilizados na cena, alguns fazem o papel de ponte com o real, são vestígios da história pessoal da atriz. E o desenho do seu corpo na visualidade da cena remete às mudanças que ela propôs a si mesma no processo de travestimento: ela se contorce, se provoca o desequilíbrio, se revira como se procurasse a identidade do lado do avesso.

Mas o recorte específico que proponho aqui, rapidamente, é a relação criada com os textos de Federico García Lorca. Alguns trechos de peças do poeta e dramaturgo espanhol são citados no espetáculo. As mulheres de Lorca são colocadas em situação de espelhamento com a condição complexa do corpo de Camila. A maternidade, tomada pela sociedade em que vivemos como o alfa e o ômega da realização de ser mulher, é uma impossibilidade para personagens com Yerma e D.Rosita, assim como para Camila. E esse “assim como” é um certo nó.

O discurso de Yerma sobre seu ventre seco ganha contornos angulosos na voz de Camila. A ideia de esterilidade é aqui subvertida, transfigurada. Por transfiguração entendo uma alteração de estatuto, uma passagem incomum – lembrando que o termo é usado tanto no contexto religioso (a Transfiguração de Cristo) quanto na teoria da história da arte moderna e contemporânea (a transfiguração do lugar comum no pensamento de Arthur Danto). O corpo travesti (e em uma medida mais profunda, transexual) faz uma revolução sobre si, explode um novo gênero na própria carne e dá à luz uma mulher feita. Uma transfiguração.

E todo esse processo traz em si uma teatralidade particular. Carnes tolendas me parece falar dessa teatralidade de ser homem, de ser mulher e de estar em um mundo que insiste em dar as regras de uma dramaturgia clássica. O travestimento tem uma teatralidade na vida. Colocá-lo em cena, como questão e como condição, dobra a teatralidade do corpo e desdobra nosso entendimento do mundo.

Acúmulo e esvaziamento

Crítica da peça Dois amores e um bicho, do dramaturgo venezuelano Gustavo Ott, montagem da Cia Experimentus

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

 

Uma característica que me chama a atenção no texto do dramaturgo venezuelano Gustavo Ott é a complexidade das imagens que sugere. Trata-se de uma peça que tem algo a dizer e esse algo está na articulação do que os personagens dizem, não no conteúdo literal das suas falas. É nesse ponto que o texto pode ser considerado difícil de encenar. A demanda de recursos técnicos e de habilidades para a criação de uma poética para a sua encenação não é a mesma demanda da encenação de um texto dramático comum. A estrutura da dramaturgia proporciona um acúmulo de camadas de narrativas e de pontos de vista que demandam um posicionamento por parte da criação do espetáculo. Uma espécie de posicionamento poético – uma ideia que mereceria um aprofundamento que não cabe neste texto, mas que podemos guardar para outra ocasião.

A encenação de Daniel Olivetto proporciona diversas formas de distração ao longo do espetáculo: a música constante – em tantos momentos mais audível que a voz dos atores, especialmente no caso de Jô Fornari -, a movimentação inquieta, os comentários feitos pelos gestos e expressões nos rostos dos atores a cada fala. O excesso de apelos à visão e à audição atravancam um pouco o apelo ao entendimento intelectual, à escuta profunda dos questionamentos da peça, que não são poucos.

Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação.

De modo geral, o tratamento dado às questões assume um tom propositadamente frívolo, que talvez provoque um embaçamento da seriedade dos temas abordados. É possível apontar como exemplo dessa abordagem o conflito da mãe (interpretada por Sandra Knoll) para com o pai (Marcelo F. de Souza), que é posto em cena como uma mera briga de casal. No entanto, acredito que há ali uma confrontação de princípios: a partir de determinado momento, a mulher passa a ver no marido uma imagem que estava submersa, escondida pelos afazeres da vida cotidiana e pela responsabilidade de criar uma filha. A passagem da filha para a vida adulta provoca uma abertura no olhar da mãe – e a virada na narrativa.

E me parece ser exatamente na elaboração da imagem do homem, do pai, que o texto apresenta sua maior complexidade e a encenação, o seu calcanhar de Aquiles. A montagem da Cia Experimentus apresenta um homem que se comporta como uma criança, enquanto o ponto nevrálgico da peça é que os atos deste homem são os atos de um homem, adulto, responsável: um pai de família, como dizem. Apresentar a figura do pai como um bobo, como um homem infantilizado e inconsequente, é uma forma de “resolver” o problema sem de fato enfrentá-lo. O apelo ao histrionismo e a tentativa de fazer humor reiteradas vezes ao longo da peça são formas de varrer o problema para debaixo do tapete.

A opção da direção, que faz com que o ator “defenda” o personagem, querendo que ele seja querido, engraçado, provocou um curto-circuito na minha percepção. Me pareceu que o discurso do personagem ficou colado com o discurso da peça, quando o discurso da peça, a meu ver, seria um comentário – e um comentário duro – sobre o discurso e o comportamento do personagem. Por exemplo, quando o pai chama o cachorro de “viado”, o ator o faz como se isso fosse uma piada. E o que o texto de Gustavo Ott me parece dizer é que isso não só não é uma piada, como é uma forma de violência. Isso mata. Mata por contaminação, como um mal que se espalha de tal modo que seus meandros são difíceis de detectar. Mas as consequências são bastante visíveis. E devastadoras, como Ott nos mostra com a exterminação dos animais do zoológico.

O que a montagem da Cia Experimentus me faz questionar, com relação à feitura de uma peça de teatro, é o quanto o pensamento sobre o que se diz, o pensamento sobre a ética dos conteúdos, precisa encontrar recursos técnicos coerentes com sua proposta. Não basta à encenação providenciar um emolduramento confortável, bonito e divertido para apresentar determinados personagens e situações. É preciso, no caso do enfrentamento de um material como o texto de Ott, encontrar uma poética específica para uma enunciação crítica, uma poética que comenta, que descola. Sob o risco de se afirmar o que se quer criticar.

Para concluir, vale apontar a ótima escolha do texto pelo grupo de Itajaí, tendo em vista a rara colaboração entre autores e grupos do Brasil com os países vizinhos da América Latina, e que conta com o mérito da tradução fluida e coloquial de Marialda Gonçalves Pereira.

Presença e oralidade na escrita da história

Crítica da peça Galvarino, do grupo chileno Teatro Kimen

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

 

O trabalho apresentado pelo Teatro Kimen, do Chile, oferece questões que têm me interessado particularmente – e não somente a mim, pelo que posso perceber, principalmente pelas pesquisas cênicas e teóricas de pesquisadores em São Paulo: as interferências do real na cena. Mas o que mais me desperta o interesse é ainda o outro lado da moeda: as interferências da criação artística na percepção do real, ou mais especificamente, como o teatro documentário, em suas diversas e muito variadas possibilidades criativas, nos apresenta uma possibilidade interessante de escrita da história ou de articulação de um outro saber histórico. Este outro saber histórico não é aquele de nomes e datas, nem o das grandes narrativas de impérios, conquistas, independências, nações, guerras mundiais e lutas de classes. Trata-se de um saber que vem do compartilhamento de experiências que não decorrem de simples histórias pessoais, mas de vivências de seres humanos que se inscrevem em um contexto mais amplo, que podem nos fazer vislumbrar situações políticas, econômicas, sociais e históricas, a partir de pontos de vistas que um livro ou um filme simplesmente não dão conta.

Se fosse o caso de me estender no assunto, recorreria às proposições teóricas do pesquisador argentino Jorge Dubatti sobre a ideia de convívio no teatro, que estabelece uma diferença nuclear na experiência da recepção teatral. Acredito que a natureza da “transmissão” de um saber histórico numa situação de convívio proporciona uma apreensão de natureza diferente. Mas, como a proposta desta crítica é colocar, em um intervalo curto de espaço e de tempo, algum recorte possível, vou me deter em outra mirada – que está também fundamentada no acontecimento teatral como uma situação de compartilhamento do espaço e de uma co-presença de todos os envolvidos, artistas e espectadores.

Foto: Danilo Espinoza Guerra.
Foto: Danilo Espinoza Guerra.

Arrisco dizer que uma possível tendência do teatro documentário contemporâneo feito na América Latina é a presença do corpo como evidência, como documento, vestígio de uma realidade que não está mais literalmente no presente, mas cujos rastros se pode vislumbrar nestes corpos que trazem em si, na pele, no sangue, na língua, o saber histórico vivido. Galvarino pode ser considerado um exemplo dessa prática. A atriz Paula González Seguel, que também é diretora da peça, assume a voz de sua tia na vida real, Marisol Ancamil, a irmã do personagem ausente que dá título à peça. Galvarino fora estudar e trabalhar na Rússia e seu desaparecimento motivou a criação do espetáculo. Mas não foi só o desaparecimento do irmão que causou a angústia da família: o descaso das autoridades chilenas, que poderiam ter colaborado para localizá-lo antes de sua morte, causada por um ataque xenofóbico, é o que dá o tom de denúncia e amplia o espectro de relevância política do espetáculo.

Paula Gonzalez traz no corpo o sangue da família que implora pelos restos mortais do parente perdido. Soma-se a isso a presença do casal mapuche no papel dos pais. Eles não são atores, não estão ali para cumprir mais uma etapa de suas carreiras. Estão ali como pessoas cujos corpos carregam uma cultura, evidenciada nos breves diálogos, em que falam a língua original dos mapuche. A oralidade também é uma questão a ser pensada nesta breve tentativa de levantar possibilidades de uma escrita da história no teatro documentário, aspecto que aparece no espetáculo quando Paula lê as cartas enviadas ao Ministro das Relações Exteriores e que ganha corpo quando ela se dirige a ele falando diretamente ao público presente. A canção que Elsa Quinchaleo nos oferece é mais um sinal dessa força de presença que nos dá a ver não apenas uma história real, ou uma história familiar, mas nos permite conhecer uma face singular da história do Chile. Estaríamos, com essa noção de teatro documentário, escrevendo (com Walter Benjamim) uma história a contrapelo?

Quase nada é muita coisa

Crítica da peça Muito barulho por quase nada, do Grupo Clowns de Shakespeare

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

 

Abrindo os trabalhos da IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, realizada pela Cooperativa Paulista de Teatro, a peça Muito barulho por quase nada, com o Grupo Clowns de Shakespeare, foi apresentada no Centro Cultural São Paulo. Com direção de Fernando Yamamoto e Eduardo Moreira e elenco formado por Camille Carvalho, Dudu Galvão, João Ricardo Aguiar, Joel Monteiro, Marco França, Paula Queiroz e Renata Kaiser, o grupo coloca em cena sua leitura da peça de Shakespeare, um trabalho de tradução no sentido amplo.

Fiel à narrativa e ao tom, a adaptação proposta se beneficia de cortes de trechos falados, bem como de alguns personagens e situações, para oferecer uma versão própria do extenso material dramatúrgico original. Tradução, adaptação, versão, leitura, encenação: do que se trata? Poderíamos estabelecer definições diferenciadas para cada uma dessas situações, do ponto de vista técnico, mas o que me parece interessante nesse trabalho do Clowns, no que diz respeito a uma análise crítica, é o trabalho de apropriação de um conteúdo canônico com uma consequente criação original.

Foto: Rafael Telles.
Foto: Rafael Telles.

De modo geral, é possível dizer que toda peça que se constitui pela montagem de um texto pré-existente tem a sua medida de tradução. O trabalho de encenação pode ser pensado como um trabalho de tradução – de linguagens, não necessariamente de línguas. E textos canônicos de teatro demandam novas encenações na mesma medida em que textos canônicos de literatura demandam novas traduções. Mas nem toda encenação – assim como nem toda tradução – dá o pulo do gato: apropriar-se ao ponto de ser um outro original. A proposta desse texto é tentar ver a montagem em questão nesse caminho.

O “quase” inserido no título conhecido em português (Muito barulho por nada) dá a dica de que há algum desvio. E esse algum desvio pode sinalizar o lugar de descolamento do cânone – que é justamente o salto de infidelidade que faz a volta, que faz a tradução/adaptação/encenação ser fiel justamente por sua relação de independência. E esse salto só é viável porque há um respaldo de pesquisa e de conhecimento prático, de familiaridade com o legado shakespeareano que, não à toa, nomeia o grupo. No que diz respeito à originalidade, é visível que o grupo tem uma linguagem própria na qual pode inscrever a sua dramaturgia: o chão a partir do qual é possível levantar voo.

O que vemos e ouvimos neste Muito barulho por quase nada é um Shakespeare popular, com espaço para as idiossincrasias dos artistas criadores e referências sutis ao momento da apresentação, uma encenação que finca suas bases na comunicabilidade imediata entre ator e espectador, contando com o lirismo e a descontração dos números musicais. Eles estão à vontade, como se Shakespeare não fosse um autor canônico, mas um lugar que eles frequentam, ou a cidade onde nasceram. São os clowns – ou clóvnis – que moram em Shakespeare, ou que vieram de lá.

Dois amores carece de intensidade

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Crítica do espetáculo Dois amores e um bicho, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

4 de agosto de 2014

É louvável, no texto Dos amores y un bicho, do venezuelano Gustavo Ott, a capacidade do autor de sobrepor elementos em camadas do que constitui o humano, com suas zonas tenebrosas que assustam quando expostas. Mas sua encenação exige, como em Beckett, que esse teatro seja o espaço da essencialidade da linguagem. A montagem da Cia. Experimentus Teatrais, de Itajaí, Santa Catarina, não conseguiu extrair as sutilezas da situação e as personalidades fissuradas dos personagens envolvidos em Dois amores e um bicho, apresentada na IX Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo, em São Paulo.

A peça tematiza a intolerância. A partir de uma crítica do dramaturgo ao preconceito homossexual, um dos mais arraigados da humanidade, da submissão da mulher e o desmoronamento do pai como herói.

Com direção de Daniel Olivetto, Pablo (Marcelo F. de Souza) interpreta o pai, que 15 anos antes espancou o cachorro Cabral até a morte, quando descobriu que ele tinha relações homossexuais com outro cão. Por isso ele foi preso, ficou 40 dias na cadeia e saiu após pagar uma fiança de 5 mil dólares. O assunto nunca mais voltou à tona na casa.

Até aquele dia em que ele e a mulher (Sandra Knoll) vão ao zoológico visitar a filha, já médica veterinária (Jô Fornari), e ficam sabendo que um orangotango está numa jaula separada porque molestou outros animais. O passado volta para prestação de contas com o presente.

O protagonista tem um ódio mortal aos homossexuais.

Bem, o problema me parece que esse sentimento do personagem contaminou toda a encenação, e o que deveria ser um posicionamento em defesa da liberdade fica amarrado ao preconceito.

Era preciso ressaltar o que Ott nos diz com inteligência e sagacidade. É urgente respeitar verdadeiramente as diferenças (e como isso é difícil). Nessa metáfora da relação de poder do homem sobre o homem, um dia o subjugado por dizer “chega!”, como ocorre na peça com a figura da mãe. Casada há 30 anos com a aquele homem, chega um momento em que ela fala que quer ter um filho “com outro homem”, usando da ironia e o humor negro que valorizariam os diálogos em todo o espetáculo.

Pablo exige do ator uma grande intensidade dramática. Ele é o articulador de um universo que aparentemente está em paz. Mas no sótão da memória estão guardados acontecimentos ocorridos 15 anos e uma pergunta desencadeia o desmoronamento de uma estrutura que já estava apodrecida por dentro. O personagem é figura cênica ameaçadora, mas que tem suas fragilidades. A questão é que o intérprete salienta o lado infantilizado do personagem e com isso diminui a complexidade do papel. Seu Pablo é indeciso, com um risinho irritante a cada vez que se sente questionado. Faltou o caleidoscópio de emoções. Faltou a tensão da agressão física e psicológica.

Essa dor não é somente da família de Galvarino

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Crítica do espetáculo Galvarino, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

3 de agosto de 2014

O espetáculo Galvarino é carne viva. De lembranças e vácuos de informação, e de indignação de uma pequena família chilena, de etnia mapuche, pelo descaso político do governo. Gente pobre e anônima é vítima da omissão e arrogância dos poderosos em todo mundo. Mas nesse caso, o teatro dá uma dimensão universal ao drama familiar. Galvarino Ancamil, que dá título à peça fez um exílio voluntário na época do golpe de Estado no Chile e vivia na Rússia desde o início dos anos 1970.

Trocava poucas cartas com a família, mas quando a correspondência cessou – depois da derrocada do comunismo, a irmã Marisol Ancamil pediu ajuda ao Ministério das Relações Exteriores do governo chileno para localizar o irmão. Silêncio das autoridades e insistência da personagem.

Ficamos sabendo depois que um grupo de neonazistas exterminou o chileno de origem indígena, nas cercanias de Moscou, em 1993.

É sobre essa ausência que fala a montagem da Compañia Teatro Kimen, de Santiago.

A diretora do espetáculo, Paula González Seguel (sobrinha de Marisol Ancamil,) é quem interpreta a irmã de Galvarino.

Com Galvarino, Paula fecha uma trilogia de “teatro documental”. Antes, ela dirigiu Ni pu tremem – Mis antepassados (2008) e Território descuajado – Testimonio de um pais mestizo (2010).

O teórico Patrice Pavis define Teatro Documentário como “Teatro que só usa, para seu texto, documentos e fontes autênticas, selecionadas e ‘montadas’ em função da tese sociopolítica do dramaturgo”

O espetáculo do grupo Kimen faz parte de uma corrente, não necessariamente ordenada, de um teatro anti-mainstream. É um um teatro militante a partir de drama pessoal. De caráter politizado, de denúncia.

Galvarino conta uma história a partir de uma micro-perspectiva privada. Borra barreiras entre realidade e ficção. E ao revisitar o episódio da história de sua família no palco, a encenadora e atriz atesta na cena que a verdade é relativa e pode ser manipulada.

Com vestimenta teatral, esse passado ganha uma poderosa capacidade de reinterpretacão. A experiência dolorosa é transformada em linguagem artística.

O cenário do espetáculo é composto de uma cozinha/sala de jantar de uma casa pobre. Os três personagens aparecem, falam pouco entre si. É um tempo de espera. A notícia da morte de Galvarino ainda não chegou. Na cozinha, a mãe (a atriz Elza Quinchaleo) depena uma galinha e prepara um caldo. A filha põe a mesa e Luis Seguel, que é o pai, interpreta o pai.

O tempo corre devagar, com o ar tenso, e as três figuras desenvolvem pequenas atividades caseiras. Há uma singeleza da dor da perda que nos atinge.

Quando a protagonista escreve as cartas, elas são mostradas numa tela. O silêncio dos dois outros personagens é gritante.

A música mapuche imprime uma dimensão de ancestralidade aquele encontro familiar. Marisol Ancamil apoxima-se de Antigone, quando exige do governo que faço o que for preciso para devolver o corpo do irmão morto. Seu discurso explode de sofrimento e revolta, na posição de impotência diante das autoridades que não cumprem seu papel público.

 

Ah! que dia mais feliz… com Clowns de Shakespeare

Foto: Ivana Moura
Foto: Ivana Moura

Crítica do espetáculo Muito Barulho Por Quase Nada, do grupo Clowns de Shakespeare, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

2 de agosto de 2014

A IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo (da Cooperativa Paulista de Teatro), começou festiva, com doses de fina ironia sobre as fraquezas humanas (que são muitas e risíveis) e a busca constante pela experiência do amor. Com duas sessões no Teatro Jardel Filho (Centro Cultural São Paulo) o grupo Clowns de Shakespeare apresentou o espetáculo Muito Barulho Por Quase Nada, adaptação da obra do bardo inglês, com temperos potiguar e mineiro, dos diretores Fernando Yamamoto (integrante dos Clowns), e Eduardo Moreira, um dos fundadores do Grupo Galpão, de Belo Horizonte.

Muito barulho por quase nada é uma encenação do repertório do grupo, erguida em 2003, quando o coletivo completou 10 anos de atividades. Os Clowns tiraram a encenação da cartola, na passagem dos 20 anos. E o que é melhor, com toda a vivência de anos de palco, resultado do confronto e cumplicidade com públicos diversos; com a lapidação do trabalho de corpo e voz do conjunto rumo a uma comédia popular. Isso dá mais graça e leveza ao jogo.

O elenco se entrega a essa brincadeira com alegria e domínio cênico. O time de atores lança mão de muitas sutilezas dos personagens para arrancar o riso dorminhoco de dentro de cada um. Como nos espetáculos populares do Nordeste do Brasil, a montagem está repleta de riqueza nas minúcias, mas com simplicidade. Essa aproximação de Shakespeare clássico da cultura popular se estabelece e o grupo já dá a dica no próprio título, com a inclusão da palavra “quase”. Das três versões da obra de William Shakespeare que assisti dos Clowns – Sua Incelença Ricardo III, HamletMuito barulho por quase nada parece a melhor resolvida na graça popular, nas subversões, na incorporação de um material (gestual e sonoro) urbano e contemporâneo

É um espetáculo luminoso, em que o elenco dança, faz pantomima, canta, toca vários instrumentos. E alguns atores interpretam mais de um personagem.

Na peça, o patriarca viúvo Leonato anseia por casar sua sobrinha Beatriz e sua filha Hero. A paixão romântica e idealizada se instala na relação de Hero e Claudio. Mas os caminhos do amor são mais tortuosos entre Benedicto e Beatriz, que preparam o terreno amoroso a partir de um duelo de palavras nada lisonjeiras. O anfitrião Sr. Leonato, o Príncipe Dom Pedro e outros personagens buscam unir essas duas criaturas ágeis no pensamento e que desdenham dos sentimentos nessas comemorações de retorno vitorioso da guerra.

Mas não faltam os golpes baixos. Por inveja das conquistas de Claudio, Don John (o irmão bastardo do Príncipe) forja uma situação para incriminar de deslealdade a doce Hero.

O grupo Clowns de Shakespeare desenvolve há anos uma pesquisa sobre a presença cênica do ator, a música na cena, e teatro popular de comédias. Além disso, a equipe investiga as técnicas do clown em amplo diálogo estético com o imaginário nordestino e seus heróis que subvertem as lógicas.

Com um elenco afinado, os atores mostram domínio de suas funções. Marco França interpreta Benedicto e Corniso, e explora o jogo com maestria das técnicas do clown e as variações da comédia (do melodrama ao musical).

A personagem Beatriz, da atriz Renata Kaiser, é cheia de atitudes nessa peleja amorosa. Há uma graça selvagem na aparente dureza da donzela. Paula Queiroz explora facetas opostas como a suave Hero e como o cafajeste interesseiro, Borracho, quando usa máscara e tem um gestual mais caricatural. Joel Monteiro faz um Mensageiro nas dobras do clichê e de grande apelo popular e trabalha os detalhes para diferenciar a personalidade dos irmãos Dom Pedro, e Dom John. João Ricardo Aguiar faz o divertido Leonato e o bocó Vinagrão. Camille Carvalho explora as idiossincrasias de Margarete.

Por alguns momentos os atores deixam transparecer a própria arte interpretativa, embaralhando personagens, como um delicioso flash de metateatro.

Os cenários, os figurinos e os adereços de João Marcelino são coloridos e levam para a cena a beleza do Nordeste em alusão à riqueza cultural da região, como nas sandálias dos cangaceiros de Lampião, nas casacas dos vaqueiros e nos bordados e rendas nordestinas e mineiras.

A música ocupa um lugar especial na montagem e tem direção de Marco França. São músicas singelas. Uma delas, com Marco França ao violão, é um acróstico com o nome Beatriz. “Ah, mais que dia feliz! Ah, como estou tão feliz! Quem me ama? Quem me ama? Be-a-triz!”. A iluminação de Rogério Ferraz simples e eficiente.

A graça está no corpo dos atores, se espalha pelo palco e contagia o público, que aplaudiu fervorosamente às sessões do espetáculo da sexta-feira, dedicadas ao crítico Sebastião Milaré, homenageado da Mostra.