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Tragédia da Imaginação

Foto: Lígia Jardim
Foto: Lígia Jardim

Crítica do espetáculo Hamlet, da companhia lituana OKT, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

MITsp 2014

19 de março de 2014

Hamlet, da companhia lituana OKT, principia com uma pergunta: “Quem é você?”, variação do encenador Oskaras Koršunovas para a frase da peça de William Shakespeare “Who’s there?”. O questionamento é feito pelos nove atores da trupe que, de costas para a plateia, se miram no espelho. Vão do sussurro ao grito, num crescendo. O público também está refletido. O cenário é um camarim com bancadas móveis que se transfigura no reino da Dinamarca. O sistema de espelhos compõe ângulos reveladores, como o do pai de Hamlet fantasma (Dainius Gavenonis) que se olha e vê Claudius (que ele matou) dentro de si, numa alusão ao fratricídio Caim e Abel.

O diretor não inventa Elsinore no palco. Desvia do espaço vazio e compõe um local onde são sobrepostas as máscaras (ou maquiagem) como tradução do presente. Nesse metateatro, Elsinore é criado na imaginação do espectador. Hamlet traça esse enfrentamento com os meios teatrais a partir de sua consciência. Nesse jogo, busca se apossar da consciência do rei, o fantasma, o Old Hamlet, para fazer justiça e do tio Claudio para executar sua vingança. Mas como manter-se humano neste mundo desumano de Elsinore? Essa pergunta ecoa nos jogos de palavras e nas redes de intrigas.

Hamlet de Koršunovas é uma tragédia da imaginação. Isso é reforçado pela expressão Mind’s eye utilizada por Hamlet, quando diz que parece que está vendo seu pai e acrescenta: “com os olhos da alma, Horácio” (in my mind’s eye, Horatio). O protagonista opera uma memória visual ou imaginação. O encenador seduz o público para a “ratoeira” da imaginação de Hamlet, imprimindo camadas ou apagando fronteiras do teatro, o espaço da ação, atores e papéis. A música de Antanas Jasenka tem um desempenho fundamental.

Há algo de podre no Reino da Dinamarca e um enorme rato branco que mostra a cabeça e pousa a cauda nas mesas de maquiagem. O roedor volta a aparecer em vários momentos da montagem. O mundo é um teatro em que se finge e mente e essa encenação de Koršunovas não chega a iluminar possíveis lugares ainda obscuros de Hamlet. Mas traz em si acertos de conta com o passado e muitas dúvidas com relação ao futuro. Tem as referências da cultura pop e as potentes interpretações dos atores. E chama para um debate sobre camadas de representação em fogo brando.

O famoso “Ser ou não ser” é dito duas vezes pelo ator Darius Meškauskas. Na primeira vez ele joga e mente como “ser” melancólico. Na segunda vez, furioso, diante do “não ser”. Oskaras Koršunovas insiste com seus conjuntos de imagens sobre o tema do artifício que a realidade não existe mais. Apenas fragmentos dela estão espalhados e refletidos em vários espelhos.