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Na pele do outro

Foto: Janosh Abel

Crítica a partir do espetáculo Black Off, de Ntando Cele, por Daniel Toledo (Horizonte da Cena/DocumentaCena)

MITsp 2017

Há muitas hipóteses que envolvem as origens do racismo no Brasil e no mundo. Geralmente associadas, em nossa cultura, à experiência da escravidão durante a colonização do país, tais origens podem remeter, no entanto, não a quinhentos anos, mas a algo entre seis e doze mil anos atrás. Foi nesse intervalo, segundo algumas hipóteses, que se deu o chamado processo de diferenciação racial: a partir de uma humanidade até então predominantemente negra, que ocupava pelo menos a África, a Europa, o Oriente Médio e a Ásia Meridional, teriam surgido os primeiros povos brancos e amarelos. Pouco mais tarde, possivelmente devido a disputas territoriais, surgiriam as primeiras narrativas que pressupunham algum tipo de superioridade genética de um fenótipo sobre outro, desembocando em um pensamento que racializou a humanidade e tem servido, em diferentes contextos e momentos históricos, como justificativa tácita para a manutenção de opressoras hierarquias raciais.

O combate institucional ao racismo, por outro lado, tem origens mais recentes e conhecidas. O Brasil, por exemplo, é apontado como o quarto país do mundo a enfrentá-lo a partir de políticas de Estado, intensificadas somente a parte de 2003, com o ensino da história africana nas escolas. Antes de nós, somente os Estados Unidos, durante as décadas de 1960 e 1970, Cuba, a partir de 1959, e África do Sul, a partir de 1992, haviam lançado reformas referentes à própria ordem sociorracial.

Levado à cena pela artista sul-africana Ntando Cele, o espetáculo Black Off talvez nos ajude a enxergar o pensamento racializador como construção presente em cada um de nós, assim como a problematizar atitudes cotidianas que nos impedem de superar esse pensamento. Inicialmente trajada e maquiada como a loiríssima Bianca White, Ntando usa e abusa, com propriedade, do seu lugar de fala, expondo ao público uma suposta ingenuidade branca cuja violência contra o outro ganha, em cena, ares de ironia, mas somente devido à pele negra que temporariamente se esconde por trás de muita maquiagem. A partir dessa suposta ingenuidade, Bianca reproduz sucessivos clichês relacionados a preconceitos raciais dirigidos, ali, tanto a negros quanto a brancos. Intencionalmente ou não, suas palavras muitas vezes provocam o riso da plateia, revelando algo da trivialização e banalização do racismo entre muitos de nós.

Por meio desse procedimento, no entanto, o que se alcança parece ser uma percepção nítida sobre o conteúdo extremamente frágil que, desde tempos imemoriais, têm sustentado o pensamento racista. À medida que tais clichês se acumulam cena afora, estendendo-se em muitos momentos às relações estabelecidas entre a artista e os músicos, assim como entre a artista e os integrantes do público, parece esvaziar-se por completo qualquer sentido associado ao pensamento racista, afirmando-o como uma construção essencialmente histórica que em muito limita nossas visões e relações com o outro, assim como, de parte a parte, nossa própria experiência social. “O que significa ser um artista negro?”, questiona, sem resposta.

Como traços evidentemente racistas de nossas relações e experiências sociais, Ntando chama atenção, por exemplo, ao discurso e à prática da filantropia, cuja presença é maciça em território brasileiro, mas certamente ainda maior quando se pensa no continente africano. Muitas vezes midiatizada, quase sempre revestida de valores como benevolência e solidariedade, a prática filantrópica, historicamente branca, é revelada pela artista a partir de seu caráter eminentemente conservador, uma vez que reforça relações de dependência, de subalternização e até mesmo de cooptação do outro e de sua visão de mundo.

A esse respeito, também os incensados programas de ajuda a crianças e famílias africanas são problematizados em cena, convertendo-se num possível complemento à xenofobia que continuamente ganha espaço em nosso dias. “Os negros devem ficar na África”, escutamos, à certa altura, a partir de um raciocínio que culpabiliza os povos historicamente oprimidos por reivindicarem, agora, a partir de diferentes estratégias e contextos, algum tipo de justiça e igualdade social.

Mais adiante, já despojada da alva personagem que nos recebe, a artista oferece ao público outras possíveis imagens de si mesma. Deixando de lado a aparente delicadeza de Bianca White e seu estilo stand-up comedy, Ntando atribui à própria presença outras qualidades, desempenhando uma série de ações performativas de grande simplicidade e potência, provocando, sem pressa, nos espectadores, reflexões, impressões, afetos e, quem sabe, atitudes em relação à humanidade que nos une e que precisa resistir e se impor a tantos séculos, quem sabe milênios, regidos e condicionados por pensamentos racistas.

Enquanto, com ares de princesa, Bianca White profere impropérios nas entrelinhas de sua aparente delicadeza e doçura, a voz de Ntando Cele passeia, no decorrer do espetáculo, por diferentes atmosferas. Entre tons que remetem a própria ancestralidade e ações silenciosas que muito nos dizem, a artista arrisca-se ainda em um pequeno concerto punk, quem sabe afrofuturista, no qual a aparente agressividade das palavras talvez nada tenha a ver com qualquer pulso de violência, mas, sim, com a urgência de fazer-se ouvir e reverberar sobre a pele e, principalmente, sobre a consciência histórica e social do outro.

Quilombos abertos

Foto: Nereu Jr.

Crítica a partir do espetáculo A Missão: 12 lições de descolonização em legítima defesa, do coletivo Legítima Defesa, por Daniel Toledo (Horizonte da Cena/ DocumentaCena)

MITsp 2017

Além de terem servido como refúgios e pontos de resistência contra a escravidão que, por mais de três séculos, com amparo da lei, vigorou em território brasileiro, os muitos quilombos criados ao longo de toda nossa história colonial tinham e seguem tendo como importantes funções resgatar a cosmovisão africana, assim como os laços familiares frequentemente perdidos durante o processo de escravização da população negra. Pois parece ser a um quilombo reinventado e extremamente contemporâneo que vemos pela fresta das cortinas do teatro, enquanto nos acomodamos para assistir ao espetáculo A Missão em Fragmentos: 12 Cenas de Descolonização em Legítima Defesa, realizado pelo grupo Legítima Defesa.

Pela fresta da cortina, assistimos a um corpo coletivo que continuamente se move, sem sinais de exaustão, rumo a uma missão que, veremos mais adiante, também se constitui como causa essencialmente coletiva. Respiração consciente e pulso constante atestam a vida e a vitalidade dos corpos negros que vemos ali, os quais transitam com segurança e liberdade entre diferentes registros de atuação e presença, compondo, camada por camada, um espetáculo com ares de sarau que se propõe a visitar crítica e propositivamente a peça teatral A Missão, escrita em 1979 pelo dramaturgo alemão Heiner Müller.

Trazendo como contexto histórico a experiência colonial jamaicana, tanto a peça de Müller quanto a montagem do grupo Legítima Defesa rapidamente nos sugerem paralelos com a história brasileira, ao tratar de uma negritude que se constitui em condição de subalternidade, longe das fronteiras do continente africano e sob a tutela legal de impérios europeus. Seja no Brasil ou na Jamaica, ocupamos todos lugares de subalternidade dentro de um sistema-mundo colonial fundado no século XVI, justamente a partir da invasão da América pelos impérios da Península Ibérica.

É a partir de uma composição entre múltiplas linguagens artísticas, no entanto, que temos acesso à obra de Müller e às perspectivas do coletivo sobre essa mesma narrativa, ali entreposta a canções, coreografias, relatos documentais dos atores e citações de importantes e diversificados nomes da resistência negra ante o contexto colonial, tais quais o político guineense Amílcar Cabral, a intelectual e ativista estadunidense Angela Davis e a escritora brasileira Carolina Maria de Jesus.

Diante de um jogo cênico de regras bem marcadas, no qual diferentes atores e atrizes se alternam na interpretação dos três personagens que conduzem a trama, vemos reforçada a dimensão coletiva das vozes que testemunhamos em cena. No melhor estilo microfone aberto, diferentes vozes ocupam o palco. Se o rap muitas vezes dá forma à narrativa e às vozes que a integram, também há espaço para outras expressividades musicais e visuais da cultura negra, deixando evidente que a condição de subalternidade e permanente necessidade de resistência muitas vezes, ainda que contraditoriamente, serviu – e ainda serve – como estímulo ao desenvolvimento de culturas híbridas, complexas e, pelos mais diversos caminhos, conectadas à própria ancestralidade e à noção de coletividade.

Enquanto acompanhamos os desdobramentos da possível revolução jamaicana, somos convidados também a rever outras revoluções. Ao apresentar-nos o “Teatro da Revolução Branca”, a montagem chama atenção aos limites da Revolução Francesa e de outras tantas que, sobretudo ao longo da história moderna, jamais alteraram substancialmente a ordem colonial que organiza boa parte do mundo em que vivemos. Conforme atesta a literatura decolonial e a própria realidade social que experimentamos no Brasil, não existe uma humanidade moderna sem uma sub-humanidade moderna.

Aos poucos percebemos, no entanto, que, ao contrário do que se poderia pensar, uma efetiva revolução não pode se dar pelo consumo, pela ascensão social ou mera inserção em um sistema colonial pré-definido, mas, certamente, na reinvenção desse sistema. Percebemos que a revolução pode se dar pelo acesso ao conhecimento, à ancestralidade, à capacidade crítica e à construção de novas narrativas. Pode se dar, quem sabe, pela capacidade de se “aquilombar”, de se organizar como força coletiva, criativa e propositiva de resistência e re-existência. Parece ser a partir do quilombo e de sua racionalidade, então, que talvez possamos alcançar, efetivamente, os prometidos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

Enquanto o patrimonialismo exacerbado da sociedade brasileira parece impedir que tais valores se concretizem para além das fronteiras dos quilombos, a lógica interna desses espaços, hoje desdobrados em outros, parece ser diferente. Apesar de a ancestralidade africana predominar na maioria dos quilombos, alguns estudos genéticos têm revelado haver ali também elementos de origem europeia e indígena, mostrando a histórica capacidade de integração e solidariedade do povo negro.

Como sul-americanos, legítimos integrantes do sul-global, talvez devêssemos todos nos aquilombar. Pois parece haver, nesse e em outros quilombos, espaço para negros que são negros e negros que não necessariamente o são. E talvez o que nos una seja o desejo de efetiva mudança. Por isso levemos essa carta aonde formos, e passemos a palavra adiante.

Voar e saber cair

Para-que-o-céu-não-caia

Texto sobre o espetáculo Para Que o Céu Não Caia, da Lia Rodrigues Companhia de Dança, escrito por Renan Ji (Questão de Crítica / DocumentaCena )

*OBSERVAÇÃO DO AUTOR: Este texto contém passagens que antecipam certos procedimentos fundamentais do espetáculo. Recomenda-se lê-lo, se possível, depois da apresentação.

MITsp 2017

O espaço é uma sala negra, câmara escura. O céu, portanto, descortina horizontes indefinidos, fechados, foscos. O título do trabalho de Lia Rodrigues e companhia nos adverte: o céu arrisca desabar sobre nossas cabeças. Alguém talvez dissesse: protejamo-nos. No entanto, essa não é a direção de Para Que o Céu Não Caia. O movimento do espetáculo é de expansão, de ocupação do espaço, de infiltração e porosidade entre dançarinos e plateia. A energia circula entre esses agentes para formar um bloco convivial que volte a inflar a cúpula do céu sufocante, enfrentando-a.

Em outras palavras, um pouco menos metafóricas: laços são estabelecidos entre nós e os bailarinos, numa relação energética que resiste ao enclausuramento. Para tanto, é necessário quebrar as barreiras civilizacionais entre os respectivos primitivismos (nosso e deles): os performers nos encaram e devolvem nosso olhar de estranhamento, demovendo nossa postura poluída, tóxica e ambientalmente tosca de bípedes racionalizados. Fazem-no contemplando a nós com o aroma telúrico do café, revestidos da farinha/poeira dos tempos. Eles nos confrontam e revelam nossa inadaptação ao primordial.

Em seguida, gritos e lamentos, balbucios chorosos, apontam para o caos no seio das coisas. Há algo que precisa ser esconjurado, posto para fora, expandido. Com os dançarinos abrindo um grande círculo entre os participantes, o espetáculo fornece uma única diretriz clara e verbal (em meio a uma dramaturgia que busca o contato entre corpos sempre de maneira muito sutil): devemos nos sentar. Creio que estar em contato com o chão, nesse momento, é indispensável: sentimos mais forte o cheiro do café; acompanhamos os rasantes dos bailarinos sobre nossas cabeças; sentimos na base da coluna o ritmo das passadas fortes no solo.

É notável como a coreografia ritual é menos um código de gestos e mais uma pulsação coletiva. A batida dos pés no chão dita o ritmo das sequências de movimento e une corpos numa mesma vibração hipnótica. Mas nem por isso o espetáculo se torna menos dança devido à forte influência ritual. Na ondulação do corpo, há um misto insondável de transe, sensualidade e técnica. Os bailarinos de Lia Rodrigues batem firmemente os pés no chão, jogam com os quadris e geram espaço com braçadas rápidas e precisas. O dionisismo dos gritos, contorções e arcos histéricos são entremeados por saltos e quedas calculados, rodopios finamente delineados de torso e braços, mãos e gestos conduzidos com leveza efêmera, renovando o vocabulário da dança contemporânea.

Além disso, é interessante perceber como a orientação desses movimentos revela menos uma ascensão e mais uma entrega ao solo. A expansão a que me referi anteriormente diz respeito mais a uma horizontalidade, a um preenchimento simbólico e energético da base física das coisas: paradoxalmente, ao céu que periga cair responde-se com pisadas fortes e mãos no chão, com o fortalecimento do corpo junto à terra, com saltos aéreos que sempre terminam no reencontro com a materialidade. Há movimentos súbitos que parecem clamar por uma verticalização espiritual, na direção dos céus. Porém, voar antes de tudo significa saber cair, reencontrar e fortalecer as raízes terrenas, que suportarão a abóboda do céu.

Suportar o céu, assim, é menos um esforço de ascensão (tão típico da metafísica ocidental) e mais um pouso na superfície, revelando a sabedoria da alma selvagem que todos esquecemos: curvar-se em direção à terra, fundá-la e torná-la densa para impedir a queda do cosmo. De forma análoga, é necessário então sair e retornar ao corpo, projetá-lo para os ares, mas trabalhá-lo na musculatura. É disso que se trata a última etapa do rito-dança: a cor amarela da cúrcuma é semeada no assoalho, substituindo o obscuro do café. Pequenos pontos de sol são semeados na terra e nos corpos, refletindo e alimentando a luminosidade celeste. É o solo rico que garante um céu aberto; o corpo aberto e deitado – enraizado – ao chão é aquele que mais se volta para o céu e se dedica a ele.

Por fim, caberia dizer mais uma coisa sobre a horizontalidade do universo de Para Que o Céu Não Caia. A expansão horizontal é um dado que se revela uma necessidade social e afetiva, pertinente à maneira como nos relacionamos com o outro, com o mundo e com o espaço. Verticalizados, olhamos com inveja para os mais altos e com desdém para os mais baixos. Horizontalizados, podemos desfazer essas dicotomias e nos deslocarmos em fricção e solidariedade com o outro. O espetáculo da Lia Rodrigues Companhia de Dança parece nos fazer um convite: olhe nos olhos, perceba, sente-se e se suje. Cheire e espirre por causa dos pós – o espirro não deixa de ser uma forma de esconjuro do corpo. Deitados e estendidos, resistiremos. É necessário voltar ao solo, ao enraizamento, à prática concreta, para salvarmos um céu carregado de maus agouros.

Em busca de novos monumentos

Foto: Jeva Griskjane
Foto: Jeva Griskjane

Crítica a partir do espetáculo Tão Pouco Tempo, de Rabih Mroué, por Daniel Toledo (Horizonte da Cena/DocumentaCena)

MitSP 2017

Logo de início, parece importante ressaltar, somos informados através de legendas de que estaremos diante de personagens e situações ficcionais. Com direção de Rabih Mroué e atuação de Lina Majdalanie, o espetáculo com ares de palestra-performance Tão Pouco Tempo se volta a capítulos recentes da historiografia libanesa para, através de um personagem fictício, problematizar a criação de mártires e heróis, questionando a personalização que, seja no Oriente Médio, na América ou em outros cantos do mundo, costuma caracterizar as narrativas que construímos para compreender e explicar as histórias da qual fazemos parte.

A partir de uma encenação relativamente simples e decididamente não espetacularizada, dentro da qual recursos cênicos como geração de imagens, operação de som e até mesmo contrarregragem estão sempre visíveis e são operados pela própria performer, acessamos um ambiente que aos poucos se configura como uma espécie de laboratório de revelação fotográfica. Paralelamente a narrativa que remete a trajetória de Deeb Al-Asmar, nosso mártir fictício, o que se constitui neste laboratório, no entanto, é um processo inverso ao que conhecemos: ao serem mergulhadas em um tanque de água, os retratos manipulados pela artista, que trazem imagens de si mesma em diferentes momentos da vida, progressivamente se apagam, gerando certa atmosfera de incerteza em relação aos documentos e memórias que constituem nossas histórias pessoais e nacionais.

Iniciada tom distanciado, sereno e por vezes irônico, a narrativa que nos apresenta ao personagem central dessa ficção ganha, pouco a pouco, ares de realismo fantástico. Por meio de um radical exercício artístico de imaginação social, a dramaturgia concentra, na curiosa trajetória de Deeb, seguidas reviravoltas que vez ou outra remetem a histórias de mártires que conhecemos, ou ainda a alguma das versões que desdobram cada uma dessas histórias. Revisitamos, ao longo dessa narrativa, imagens conhecidas como a multidão que vai ao funeral, a grande imprensa e sua exagerada cobertura, a família que se mobiliza para organizar um dossiê sobre o morto e a praça que ganha uma estátua com sua fisionomia. “Um mártir que seja capaz de unir as pessoas”, escutamos, a certa altura.

Instalada no centro da cidade, entretanto, a estátua que homenageia o mártir pouco a pouco revela-se, também, como uma narrativa ficcional, a exemplo de tantas outras que não raro trazem imagens e discursos muito mais heróicos – e menos complexos – do que os episódios e personagens a que se referem. Somos convidados, então, a imaginar uma paisagem bastante familiar: a praça cívica esvaziada de seu potencial político, refém de uma narrativa hegemônica, instrumento de estabilização de uma dinâmica histórica e social em permanente transformação. E somos convidados também, quem sabe, a decifrar os significados de nossas estátuas, dos corpos mortos que mantemos vivos entre nós.

Mais adiante, quando o suposto martírio de Deeb, assim como a própria estátua, se revelam como farsa, somos provocados a vislumbrar outras imagens, dessa vez menos realistas e mais relacionadas ao caráter fantástico da narrativa. Ouvimos, por exemplo, sobre o mártir diante da estátua, diante do próprio túmulo e, finalmente, convertido, ainda em vida, em estátua de si mesmo. Fenômeno que, ali, acomete a seres humanos, mas que possa também, talvez, atingir a nações inteiras, quando, muitas vezes, em cenários de guerra, se mostrariam mais interessadas em preservar estátuas, monumentos e santuários de outros tempos do que em defender aqueles que estão vivos e lutando. “Somos todos projetos de mártires”, proclama a performer, continuamente revendo, ao longo da narrativa, os possíveis significados do termo.

Vencedores, perdedores, prisioneiros e presos libertados são personagens dessa história, cuja distância geográfica e geopolítica não necessariamente nos furta de traçar paralelos com nossa experiência sul-americana. O que se estabelece, em cena, afinal, parece ser um debate sobre algumas vidas que supostamente valem mais, e outras que, segundo a mesma lógica, talvez valham menos – e isso acontece em toda parte. Ao problematizar a personalização da história, a montagem de Rabih Mroué e Lina Majdalanie toca, ainda que de relance, nas recentes revoluções árabes, celebradas, em cena, como momento histórico em que o povo, não somente nos países árabes, finalmente se mobilizou “por si mesmo” e ocupou, quem sabe, aquela e também outras praças antigamente habitadas por estátuas de herói mortos.

Apolo não!

Crítica do espetáculo “(A)Polônia”, deKrzysztof Warlikowski, por Patrick Pessoa (Questão de Crítica)

MITsp 2016

 

Escrever no calor da hora sobre um espetáculo com a complexidade de (A)polônia, de Krzysztof Warlikowski, é uma temeridade. As múltiplas linguagens trazidas à cena (música, teatro, vídeo, instalação, performance, stand up, conferência acadêmica, manipulação de marionetes), o manancial de referências mais ou menos explícitas (que vão de Ésquilo a Jonathan Littel, passando por Eurípides, Kafka, Coetzee, Hanah Krall, Godard e muitos outros) e a ambição de articular algumas das questões humanas mais arcaicas (sobre a necessidade do sacrifício pessoal em prol de algum ideal ou mesmo de pessoas próximas; sobre a rebelião contra os “deuses” e o destino inaceitável por eles imposto; sobre a tragicidade inerente a qualquer decisão humana e a inescapável “culpa inocente” dos heróis trágicos) tendo em vista a necessidade de elaborar o passado recente da Polônia e expiar a culpa dessa nação no extermínio dos judeus, que “é o legado terrível que pesa sobre nossos descendentes” (no dizer do próprio Warlikowski), mereceriam sem dúvida um tempo e um espaço mais dilatados para a construção de um pensamento mais consistente. (Advertência ao leitor: a construção hermética, para não dizer confusa, desta introdução teve a pretensão de traduzir para a prosa da crítica a minha experiência como espectador diante das múltiplas camadas do espetáculo).

Sim, é uma temeridade escrever no calor da hora sobre um acontecimento político-teatral que ainda estou longe de ter conseguido digerir. As simplificações redutoras e os juízos apressados me parecem, neste caso, um destino tão inescapável quanto o dos heróis (gregos e modernos) postos em cena por Warlikowski. Seria prudente esperar por um momento mais oportuno, em que as condições para essa reflexão estivessem mais maduras. O problema é que, supondo que este momento algum dia possa chegar, talvez já seja tarde demais.

Amanhã (13/3, data das mais eloquentes, pela associação do número 13 ao Partidos dos Trabalhadores, inspirado na sua origem pelos mesmos ideais que presidiram a criação do “Solidariedade”, movimento político polonês que tentou combater sob um viés proletário o conservadorismo histórico daquele país), a imprensa golpista da nossa (a)polônia, tomada por um curioso furor santo de indignação seletiva, está convocando uma manifestação “patriótica” contra “todos os corruptos” (os “judeus” do nosso tempo), instaurando artificiosa e espetacularmente uma polarização entre “nós” (os justos, os puros) e “eles” (os corruptos, os impuros). Por mais que devam ser preservadas as diferenças entre o contexto histórico brasileiro e o polonês, entre o nosso tempo e a primeira metade do século XX, quando o fascismo e o nazismo levaram ao extermínio de milhões de pessoas, por mais que pareça forçada a comparação, agora, no calor da hora, não pára de ecoar em mim uma célebre passagem das Teses sobre o conceito de história, de Walter Benjamin, na qual se lê: “O assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século XX ainda sejam possíveis não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história [calcada sobre a ideia de progresso] da qual emana tal assombro é insustentável”. A pergunta, sob essa ótica, não é a do humanista alienado – “Oh, como todos esses fatos horríveis puderam acontecer?! Ohhh!” –, mas sim a do materialista que lê a história a contrapelo: por que fenômenos como o fascismo, o nazismo e a Shoah não acontecem muito mais frequentemente?

Na realidade, com o mundo em guerra (a lista de conflitos ocorrendo no momento é tão extensa que não caberia aqui, incluindo aqueles que, na nossa particular guerra brasileira, levam ao genocídio de milhares de jovens negros todos os anos, evocado nesta MIT pela impactante performance Em legítima defesa, um dos pontos altos do festival), com todas as polarizações étnicas, religiosas, políticas e econômicas entre o Ocidente e o Oriente, com o recrudescimento de uma Guerra Fria que muitos acharam que estava definitivamente superada após a queda do muro, etc, etc, etc, talvez atos de inspiração nazi-fascista aconteçam muito mais frequentemente do que os olhos sempre marejados do humanista amigo da paz seriam capazes de enxergar. É que, e esta me parece ser uma das intuições estruturantes do espetáculo de Warlikowki, os pressupostos ideológicos que tornaram possível a eclosão dos totalitarismos do século XX continuam vivos e pulsantes nesta aurora do século XXI, constituindo talvez o “terrível legado para os nossos descendentes” de que fala o espetáculo (A)polônia.

Se, de acordo com tudo que acabo de dizer, A(polônia) não é apenas a Polônia, mas também o Brasil ou qualquer outro lugar em que as condições para fenômenos assemelhados à Shoah continuem a existir, eu ousaria dizer que o espetáculo a que assisti ontem não é sobre a Polônia, mas sim sobre Apolo. A imagem-síntese que consigo extrair do caos de estímulos visuais e palavras heterogêneas que foram literalmente despejados sobre os espectadores, de forma só aparentemente arbitrária (como no caso de qualquer obra de arte que mereça este qualificativo), é a imagem do deus grego Apolo, nu, com cílios postiços e o piru pintado de azul, tendo nas costas uma gigantesca tatuagem de uma forca da qual pende, enforcada, a estrela de Davi. A interpretação do deus como uma figura caricata, ridícula, afetada, grotesca, obscena é, posteriormente, numa segunda aparição em vídeo, reforçada por um discurso do mesmo Apolo, extraído da Oréstia, de Ésquilo, no qual, tentando defender Orestes pelo assassinato de Clitemnestra, sua mãe – o matricídio, no direito arcaico grego, era punido pelas Fúrias, divindades vingadoras dos crimes de sangue, que perseguiam até a loucura e a morte os culpados –, o deus afirma que a mãe seria só um vaso, um recipiente no qual o pai, o único verdadeiro responsável pela criação, depositaria sua semente e seu sangue. Orestes, sob esta ótica, não teria o sangue da mãe e não mereceria ser perseguido pelas Fúrias. Para além dos traços radicalmente misóginos que esse discurso têm para ouvidos contemporâneos, que Warlikowski habilmente maneja no sentido de aprofundar a repulsa de seu público pela figura do deus, os dois Apolos de (A)polônia têm em comum a recusa de toda mistura, de toda impureza, pregando literal e simbolicamente o extermínio do outro, seja judeu, seja mulher.

O espetáculo Apolônia, agora sem o parênteses (cuja manutenção serve a uma leitura distinta da proposta aqui), traz em seu título uma palavra que, etimologicamente, diz respeito a toda criatura “oferecida a Apolo”, a toda criatura que mereceria ser sacrificada pela sua impureza, pela sua alteridade, pelo fato de ter mais camadas do que aquelas que cabem na dicotomia bom-mau, justo-injusto, ético-corrupto, pelo fato de não ter apenas o sangue do pai (a lei, a fé, a ética de um Sergio Moro, figura das mais apolíneas em seus terninhos justos cortados sob medida, não por acaso merecedor de prêmios provenientes de instituições tão isentas quanto a Globo ou a Veja). Se, no plano do discurso, com a apresentação de dois Apolos derrisórios, Warlikowsi diz um basta a todos os sacrifícios em nome desse deus, no plano da própria constituição formal do espetáculo manifesta-se uma recusa de qualquer ideal de limpeza, de clareza, de organicidade, de harmonia, de equilíbrio, de beleza, características normalmente associadas ao nome de Apolo.

Quando comecei a escrever este texto, pretendia concluir criticando Warlikowski por sua visão unilateral de Apolo, que tem dois epítetos contraditórios: se por um lado é Febo, o resplandecente, aquele que impõe limites claros a todas as coisas (sua imagem mais conhecida), por outro lado é Lóxias, o obscuro, aquele cujos oráculos precisam sempre ser interpretados, sendo que o fato de mal interpretá-los não raro é a principal razão da queda dos heróis trágicos (vide o exemplo de Édipo, por exemplo). Pretendia dizer que, ao apresentar o deus de forma unilateral, fechando os olhos para a sua fundamental ambiguidade, e investindo numa montagem “puramente dionisíaca”, ele paradoxalmente teria acabado sendo mais apolíneo do que gostaria. Pretendia dizer, em suma, que ele não teria ouvido bem a lição de Nietzsche no Nascimento da tragédia. Ali, o filósofo diz que, ao matar Dioniso, o racionalismo socrático, em nome de Apolo, das distinções conceituais claras e distintas, teria acabado por matar também Apolo, já que Apolo e Dioniso seriam as duas faces de uma mesma moeda, nomes emblemáticos dessa ambiguidade ou tragicidade constitutiva do humano, dessa guerra eterna que é a vida. Ao contrário de Sócrates, eu pretendia dizer, em sua tentativa de matar Apolo, de interromper a ruína monumental feita dos cadáveres de todos que foram assassinados em seu nome (lembremos do “anjo da história”, de Paul Klee, na leitura de Benjamin), Warlikowski teria matado também Dioniso.

Era isso o que eu pretendia dizer, me atendo a uma crítica mais imanente das discutíveis opções formais feitas pelo diretor, que me fizeram sair do teatro com a sensação de ter visto uma nova repetição de uma velha fôrma, um dispositivo eminentemente irônico na lida com a tradição que teve grande potência no teatro dos anos 1990, mas que, à força de sucessivas repetições, acabou por esvaziar-se, convertendo-se em fetiche formalista. Mas, neste momento, a verdade é que eu não posso dizer apenas o que pretendia dizer. Escrevi esse texto sendo atravessado pelas palavras, pelo momento histórico que estamos vivendo, como os personagens de Ça ira, ponto culminante da MIT deste ano. As placas tectônicas que foram finalmente postas em movimento pelos governos Lula e Dilma (a despeito de todas as legítimas críticas que possamos fazer a certos aspectos de seus respectivos projetos de governo, o que não tem nada a ver com saber se eles são puros ou não) estão gravemente ameaçadas de serem novamente imobilizadas pela força reacionária de elites ancestrais que querem conservar os seus privilégios a qualquer preço, que, como em Ça ira, recusam visceralmente a ideia de uma verdadeira igualdade política. Contra essas elites, contra a catástrofe que se anuncia tão próxima, faço então coro com Warlikowski: Apolo não!

A segunda vida

Crítica do espetáculo An Old Monk, de Josse de Pauw, por Patrick Pessoa (Questão de Crítica)

MITsp 2016

 

Ele tinha quinze, dezesseis, dezessete anos. Sentia que não pertencia à sua vida, como se tivesse errado de endereço. À sua volta todos dançavam muito, falavam muito, viviam em bando, se divertiam. Contavam sempre as mesmas anedotas: do último porre, daquela viagem de ácido muito louca, dos melhores baseados, das primeiras transas (descritas com aquela falsa indiferença juvenil que queria se fazer passar por experiência). Tinham quinze, dezesseis, dezessete anos e pareciam achar que aquela era a melhor época de suas vidas. Ele não. Não cabia em seu corpo, que transbordava de pelos esquisitos e espinhas dolorosas. Adolescer era um sofrimento para o qual ele ainda não havia encontrado nenhum nome. Um dia, numa festa, ficou inquieto quando uma amiga disse que estava angustiada. A palavra era bonita: an-gús-ti-a. Tinha o sabor de uma fruta exótica, de uma fruta que ele jurava nunca ter comido. Foi quando leu num desses livros que só se leem aos quinze, dezesseis, dezessete anos, que a vida está em outro lugar. E acreditou. Afinal, a vida, a vida de verdade, tinha que estar em algum lugar! Ele tremia de medo pensando que não viveria o suficiente para conhecê-la. Muitas noites, com o próprio sexo nas mãos, rogava a Deus para não morrer virgem. Por acaso, descobriu um programa de intercâmbio escolar e acabou se mudando para a Holanda, atraído pela miragem da maconha liberada. Quem sabe dali não viriam outras libertações? Mas, chegando lá, o sentimento de estrangeiridade radical só se agravou. Naquela época, Camus foi um vício. Aprendeu holandês lendo as legendas de uma novela americana, The Bold and the Beautiful. Aquela língua estranha, assim sem ele perceber, se gravou nele. Uma língua-mãe que se escolhe aprender às vezes é mais pregnante que a língua e que a mãe que nos foram destinadas pelo acaso.

Quando voltou do ano de intercâmbio, seu pai, tentando uma reaproximação, começou a levá-lo para os shows de jazz que frequentava compulsivamente. Aos vinte, vinte um, vinte dois anos de idade, o garoto viu e ouviu músicos cujos nomes nunca conseguia lembrar, mas que seu pai sempre dizia que eram “bons pra caralho”. A sensação que tinha nesses shows era esquisita. As primeiras notas já o transportavam para muito longe dali. O fato de que os músicos pareciam tocar mais para si do que para os outros era um pretexto para ele se desconectar. Em geral, ficava pensando na vida que poderia ter sido, ou na vida que ainda poderia ser, mas que… Muitas vezes, se sentia culpado por não conseguir desfrutar devidamente daquele privilégio, já que os concertos costumavam ser caros: até achava os músicos tecnicamente bons, mas parecia que alguma coisa lhe faltava, talvez um sentido mais apurado para fruir o que não cabe em palavra nenhuma, a liberdade de se entregar a um fluxo de sensações mais brutas, abstratas, resistentes a uma compreensão racional.

Aos trinta, trinta e três, trinta e cinco anos, seu corpo continuava não vestindo bem, mas ele tinha uma vida que os outros consideravam boa. Ou, pelo menos, normal. Mulher, filho, um trabalho que lhe permitia viver sem grandes preocupações financeiras. Eram tantas as obrigações a cumprir que ele só raramente se lembrava de que a vida ainda não tinha lhe dado nem um décimo do que ele esperava. Como quando era garoto, ele continuava com medo de morrer cedo demais. Pelo menos, já não era mais virgem.

Aos quarenta anos fez uma viagem a São Paulo, para cobrir um festival internacional de teatro. Algumas pessoas consideravam que ele era um crítico teatral, embora aquela roupa lhe caísse como um terno alugado numa loja de segunda mão. Foi ver uma peça de um diretor belga, chamada An Old Monk. Como sabia que teria de publicar uma crítica em menos de 12 horas, se informou antes sobre Josse De Pauw, o autor, diretor e performer do espetáculo. Descobriu que ele não chamava seu trabalho de uma “peça de teatro”, mas sim de um “concerto teatral”. Começado o espetáculo, entendeu por quê.

Em cena, uma banda com piano, baixo elétrico e bateria atacou um jazz como aqueles que costumava ouvir ao lado do pai, vinte anos antes. Lembrou do velho e pensou com um sorriso de canto de boca: “Esses músicos são bons pra caralho!” Na sequência, viu um senhor corpulento, careca, com uma barba branca comprida, mistura de Xico Sá e Paulo Cesar Pereio, entrar em cena dançando, se entregando ao fluxo da música. Aquele senhor dançou por um longo tempo, até ficar realmente cansado. O procedimento era muito interessante, porque fazia do cansaço uma experiência corpórea real, para além da mera representação. Então, dialogando sempre com o ritmo da banda, que continuaria a tocar ao longo de todo o espetáculo, e tendo sempre em vista a necessidade de construir uma relação inclusiva com o seu público, Josse De Pauw começou a sua narrativa. A mágica do dispositivo, simples mas rascante, estava no fato de que, apesar de falar de experiências aparentemente autobiográficas, o performer usava a terceira pessoa, transformando a sua vida em uma ficção e assim realizando a quimera de converter a própria vida em obra de arte. (No epílogo do espetáculo, aliás, essa ideia era reforçada com a projeção de imagens do corpo nu do artista com interferências gráficas que propunham diversas outras narrativas possíveis para aquele suporte material.) Antes de compreender o fio condutor da narrativa, na qual De Pauw usava a dança como metáfora para falar das três grandes épocas de sua vida (a juventude, na qual ele dançara sem nunca cansar e o tempo parecia infinito; a maturidade, quando as obrigações o tinham levado a parar de dançar; e a velhice em que se encontrava agora, quando, depois de buscar inutilmente pelo silêncio e a solidão característicos da vida de um monge (monk), ele havia finalmente, a despeito de todas as limitações físicas, recuperado o desejo de dançar e cantar como Thelonius Monk), o garoto com terno de crítico foi atravessado por uma estranha sensação de pertencimento: Josse De Pauw não apenas falava holandês, sua segunda língua materna que ele julgava ter esquecido, mas, sobretudo, ao atuar como uma espécie de repentista do cool jazz, transpunha o abismo que sempre o separara da música: a ausência de palavras. Josse De Pauw celebrara diante de seus olhos estupefatos o casamento entre o fluxo musical da vida e a narrativa necessária para transubstanciar sensações brutas em sentidos inteligíveis.

Eu saí então do teatro dançando, com a impressão de estar afinado com o ritmo da vida, me regozijando por não ser mais um estrangeiro neste mundo. Como disse De Pauw: “Nada de demasiada paz, porque ainda há tempo para uma outra vida, se preciso for. Para outra vida, e talvez uma vida melhor, também, mesmo que a anterior já tenha sido boa.” Uma segunda vida, não resta dúvida, fundamentalmente dependente da possibilidade de articular narrativamente os fragmentos dispersos da nossa experiência descontínua do tempo. O que, a meu ver, é não apenas a tarefa da arte, mas sobretudo a da crítica.

A quem servimos enquanto rimos?

Foto: Caio Nigro.
Foto: Caio Nigro.

Crítica a partir do espetáculo A Tragédia Latino-Americana, por Daniel Toledo (Horizonte da Cena/ DocumentaCena)

MITsp 2016

São muitas, decerto, as tragédias latino-americanas das quais se poderia tratar em um espetáculo teatral. São muitas, de igual modo, as perspectivas sob as quais se pode narrar essas tragédias, que decerto serão diferentes segundo o ponto de vista a partir do qual se observa a vida no continente que habitamos e construímos juntos. Enquanto quem o vê com olhos de colonizador pode associar essas tragédias aos povos que originalmente habitavam o território latino-americano, tratando-os como bárbaros, peladões, bugrada, primitivos, atrasados, molengas, lamentáveis, pateticamente orgulhosos, pouco gentis ou simplesmente servis, quem observa o mesmo continente sob a ótica do colonizado – que agora luta para descolonizar-se – talvez associe essas mesmas tragédias à servilidade de nossas sabotadoras elites, quase sempre mais alinhadas aos interesses da metrópole do que às sociedades que, seja antes, durante ou depois do período colonial, por aqui se constituíram. Ainda que muitas nuances existam entre essas duas visões, parece ser interessante percebê-las como perspectivas divergentes e, quiçá, concorrentes, em relação à construção da nossa história.

Inspirado em obras da literatura latino-americana e composto por sucessivos quadros que, ao longo de quatro horas, remontam a diferentes recortes de nossa realidade social, o espetáculo A Tragédia Latino-Americana, criado por Felipe Hirsch e Os Ultralíricos, dispõe em cena personagens como o jesuíta catequizador, o sujeito em processo de alfabetização, o colonizador português, o pescador macumbeiro, a estudante evangélica, a trabalhadora do lixão, o intelectual latino-americano, o deficiente visual explorado, a travesti marginalizada e até mesmo uma epígrafe existencialista que traz à cena questões sobre as tiranias do justo e do injusto. Permanentemente substituindo-se em meio a um cenário que é ao mesmo tempo construção e ruína, tais personagens nos convocam a enfrentar questões políticas que permeiam tanto nossa história quanto nossa experiência social atual.

Ainda que diferentes vozes e diferentes lugares de voz ganhem o palco ao longo da montagem, o que se tem em cena são, quase sempre, situações de subordinação à conhecida narrativa contada e disseminada pelo homem branco. Fazem-se presentes, não por acaso, conflitos relacionados ao machismo, ao sexismo e ao racismo, dando a ver um contexto social cujos parâmetros civilizatórios recorrentemente remetem a critérios criados muito longe do território latino-americano. Constitui-se, então, um contexto em que o estupro – seja sexual, cultural ou de outras naturezas – aparece como ameaça permanente, e no qual o conservadorismo se manifesta a partir da distinção de papéis e comportamentos bastante definidos para homens e mulheres, assim como pela travesti que, em pleno ano de 2016, parece ainda não ter conquistado seu ambicionado artigo feminino. E ainda que autores de Cuba, Bolívia e Equador se façam presentes entre os textos que inspiram a dramaturgia do espetáculo, é no mínimo curioso perceber que tal representação não aconteça entre as fisionomias que levam tais textos à cena.

Também chama atenção, em A Tragédia Latino-Americana, a reprodução de uma agressividade crítica – e por vezes cômica – que se dirige aos nomes que constituíram e constituem nossa história oficial, deixando em segundo plano a critica às ideologias e visões de mundo que os movem. Percebemos, com isso, traços que remetem à infrutífera pessoalização dos nossos conflitos sociais e políticos, cuja complexidade decerto aumenta quando enfrentamos as mal-contadas raízes e engessadas estruturas que os sustentam ao longo de tantos séculos.

Vestidos com trajes que remetem a algum tipo de aristocracia, os atores que conduzem a montagem se organizam entre cenas individuais, duplas e coletivos e nos oferecem uma visualidade descolorida em que predominam o preto e o branco. Talvez como modo de apresentar a polarização que atualmente nos caracteriza, a ausência de matizes reforça os contrastes e a dificuldade de diálogo tão visível na cena quanto nos dias em que vivemos. E a partir dessa perspectiva, tanto o espetáculo quanto boa parte da sociedade brasileira parece colocar “no mesmo balaio” movimentos relacionados à reivindicação de direitos e à restrição de direitos do outro, desconsiderando, em certo sentido, a franca desigualdade de poder que constitui a origem da civilização latino-americana conforme a conhecemos hoje.

Mesmo lançando-se em direção a questões densas e territórios de claro conflito ideológico, a montagem que se apresenta como tragédia curiosamente provoca, em muitos momentos, o riso do espectador. Mas se estamos diante de uma visão que destaca nossas próprias tragédias, historicamente associadas à impossibilidade de autogoverno e autodeterminação, parece-me interessante que examinemos, cada um de nós, do que, exatamente, estamos rindo.

 

Publicado no site da MITsp em 10 de março de 2016.

http://mitsp.org/2016/a-quem-servimos-enquanto-rimos/

“Se eu pudesse, voltaria hoje”

Crítica do espetáculo Cidade Vodu, de José Fernando Azevedo, por Mariana Barcelos (Questão de Crítica / DocumentaCena)

MITsp 2016

 

No teatro, quando a narrativa biográfica ou confessional se destaca na dramaturgia e na montagem como elemento formador do trabalho, é como dizer que a escolha somente pela ficção não daria conta. O relato íntimo te impõe a crença, não se pode fugir do que se está ouvindo nem ficar no lugar confortável da ideia de “teatro, mentira”.

Dentre inúmeras características dessas dramaturgias, destaco duas: quando se decide falar de si, entende-se que sua história/texto tem um conteúdo com capacidade de ampliação, que é, de certa maneira, coletivo, que diz respeito a muita gente, e por isso é importante ser dito – algo que nem sempre se dá. O outro aspecto é que a afetividade intrínseca às falas geralmente produz a conexão com o público. O que eu tenho a dizer importa, estou emocional e afetivamente envolvido com o relato, e, se o que é dito é de fato muito relevante, optar por uma crítica que prioriza os aspectos técnicos do fazer teatral, além de a mim ser questionável e gerar um desconforto, diminui a importância do enunciado, algo que, em se tratando de Cidade Vodu, criação do Teatro de Narradores, eu não teria autoridade e nem o direito de fazer de dentro deste meu corpo branco.

Cidade Vodu escolhe relatos datados na história para desenhar uma linha do racismo nos últimos séculos sob a perspectiva da nacionalidade dos atores do espetáculo, a bem dizer, haitiana. Numa sequência cronológica, as falas começam no período escravista e alternam contar casos que descrevem com minúcias a bárbara violência sofrida pelos povos negros, com discursos dos homens que detinham o poder à época. Na sequência, tratam do período colonial do Haiti sob os desmandos de Napoleão Bonaparte, de contínua crueldade. O último recorte fala da imigração haitiana para o Brasil após o terremoto de 2010 e da entrada das forças de paz da ONU em parceria com o Exército Brasileiro (MINUSTAH). Neste momento, os relatos se voltam para a vida dos próprios atores, artistas haitianos recém emigrados para o Brasil, em decorrência da condição de vida insuportável e insustentável após o terremoto. Parte mais tocante dos relatos, porque as dores são inimagináveis e aconteceram exatamente com aquelas pessoas, a ênfase está no tratamento recebido pela população haitiana tanto no país nativo, quanto no Brasil e no percurso geográfico da migração. As memórias mais uma vez de violência, truculência por parte do Exército (uma gente que propõe devolver a paz com atitudes criminosas) e do preconceito vivido em terras brasileiras fecham a narrativa apontando o racismo como componente estrutural das sociedades e não simplesmente circunstanciado no tempo histórico.

Dado o valor da proposta e sua potência, então, cabe dizer que a estreia no dia 7 de março, no impactante espaço da Vila Itororó, padeceu por alguns problemas. No percurso itinerante do espetáculo, falhas de projetor e microfones dificultaram a compreensão do texto, primeiro, porque muito não se ouvia e, segundo, porque a ausência da legenda projetada quando as falas estavam em outra língua interrompia a possibilidade de seguir o fio dramatúrgico. Aparentemente, tinha mais público do que o viável para que todos conseguissem acompanhar as cenas tendo condições de realmente assistir ao que acontecia. Fatos que precisam ser revistos e que sem dúvida melhorarão as possibilidades de recepção.

Mais ou menos na metade do espetáculo tem uma festa, um encontro proposto pela encenação. Num espaço amplo, o público é convidado a se sentar, comer, beber, conversar e dançar ao som de músicas típicas haitianas cantadas pelos próprios artistas. Um dos atores apresentou o espaço para mim e para outra espectadora (Júlia) como sendo a Cidade “Vodu”, este boneco no qual são projetados castigos nos outros quase sem possibilidade de defesa. Conversamos um pouco. Júlia perguntou se ele gostaria de voltar para o Haiti, resposta: “Se eu pudesse, voltaria hoje”, e riu. A troca de olhares foi por empatia, embora nada possamos saber, Júlia e eu, dessa angústia. Mesmo vítima de vodu, a cidade produz um encontro alegre, caloroso. Alguns relatos sofridos surgiam em busca de cumplicidade, mas não diminuíam a atmosfera espirituosa de quem propõe a paz a quem oferece quase sempre as costas.

“Nós estamos aqui um por causa do outro”, frase de um dos relatos e eco histórico. Se o estar junto veio constantemente à  base do choque, do enfrentamento, da resistência e da luta, Cidade Vodu propõe um encontro festivo contra o modus operandi do nosso mundo que vê lógica em entrar em guerra para alcançar a paz. Se a proposta é o encontro, como não, encontremo-nos.

Agir em tempos mortos: o teatro e a natureza-morta de todos os dias

Crítica do espetáculo Still Life (Natureza-Morta), de Dimitris Papaioannou, , por Mariana Barcelos (Questão de Crítica / DocumentaCena)

MITsp 2016

 

Natureza-morta. Natureza, da biologia, do corpo, organismo. Morta, o que já foi vivo, a concretude no estado físico da matéria, dimensão só apreendida no tempo. Ao manter o olhar para obras categorizadas como natureza-morta, dois traços inerentes ao gênero conduzem a narrativa entre a materialidade do objeto (comida, corpo, flor) e o tempo posto até a morte. Um traço é sólido, o outro estendido. A nomenclatura em português remete a algo findo (morreu, ponto); em inglês, os objetos aparentemente inanimados têm sobrevida, still life.

Still Life (Natureza-Morta), espetáculo com direção do grego Dimitris Papaioannou, estreou dia 4 de março no Sesc Vila Mariana, na programação da 3ª MITsp. A tensão latente no título (que em princípio é apenas a dobra do mesmo nome em língua diferente) dá a ver, já de antemão, a questão que atravessa as cenas da montagem, nas quais, por meio de exaustivas repetições, sete atores implicam-se em manter vivo o objeto morto.

Justificados pelo mito de Sísifo, estar morto aqui pode ser tomado como não sair do lugar, embora em movimento. Ou, numa inversão à lógica própria da natureza-morta, o corpo que se mexe está vivo (tentando), o tempo gasto com repetições é o que morre. Como gerar ação no tempo-morto e olhar a natureza-morta sob a perspectiva da ação dramática, do teatro, não da pintura. Como agir na imobilidade do tempo. Papaioannou, e esta é a proposição deste texto, constrói uma refinada dialética: corporifica o tempo enquanto dilata o corpo (dos atores) na duração das cenas.

O espetáculo começa com a luz da plateia acesa. Sentado ao centro do proscênio numa cadeira escura, o ator manuseia uma pedra enquanto olha para o público em aparente neutralidade. Lentamente a luz da plateia se apaga, o palco, vê-se agora, é um todo preto, do chão ao teto que, ainda sem nitidez, revela uma bolha negra brilhante sobre todo o tablado. Um sujeito entra e retira a cadeira do ator, seu corpo, impassível, permanece na mesma postura de sentado, mas, agora, é visível que para estar ali em ilusória imobilidade é necessário muito esforço, trabalho físico. Mesmo quando parado, vê-se que está atuando – é possível que a ideia de ação seja tomada por esta imagem, se não houvesse ação, o corpo cairia. Ação é força.

A natureza-morta no teatro é surpreendida pela condição primordial da ação. Mesmo na imobilidade. E a contar pela física presente nos corpos dos atores, agir (estar vivo) é exercer força sobre. Aos poucos o ator sai da posição, caminha até o fundo do palco e desaparece. Tempo. Sons de objetos caindo, tipo azulejo, som de obra. Tempo. Caminha do fundo, em direção à frente do palco, outro ator carregando uma grande parede nas costas, bem grossa na largura, quase o dobro da altura do ator, comprida para as laterais de modo que seria impossível abraçá-la. Um peso-morto sobre as costas. Durante um tempo superior à necessidade de entendimento da ação o ator forçará seu corpo contra a parede com o objetivo de mantê-la em pé. A constância das cenas segue esta condição, a de estravar o tempo do entendimento, sobrando por fim apenas a materialidade dos objetos e do corpo em tensão. O esvaziamento do sentido narrativo das operações desenha um tempo posto em lentidão, em que vislumbra a qualidade estática do quadro pictórico. O tempo não tem cronologia corrente, seu corpo é definido numa hora parada, suspendida, em que sucessivas ações se repetem como que no mesmo instante. Um tempo-corpo que, na vida, o olho nu é incapaz de perceber. Como que numa câmera extremamente lenta (negativa), parada num só segundo, no qual é possível ver infinitas ações se processando em repetição – eternidade.

Os condicionantes desta temporalidade só se sustentam, portanto, na crueza da fisicalidade da matéria, sem significações. Ou se tem sons produzidos pelos objetos, ou silêncio. Os sons são ainda enfatizados pelos microfones dispostos no chão do palco, existem na condição de materialidade das ondas sonoras – quando cacos de azulejos caem da parede, faz-se barulho, quando fitas adesivas são puxadas do chão, idem. A iluminação vai do clarão à escuridão, sem semântica. No cenário, as superfícies são sólidas, líquidas ou gasosas. A parede é um bloco, o plástico em formato de rede, que no início do espetáculo era uma bolha negra brilhante no teto, aos poucos é iluminado, e transparece na maior parte da peça com a paradoxal função de estocar fumaça. A parede sólida, por um lado, se desfaz em pedaços, a fumaça, por outro, ganha corpulência na moldura do plástico e, por vezes, transforma-se em outros substantivos: nuvem, mar, célula; todos disponíveis ao toque, podendo mudar de forma com o contato de uma pá.

É o tempo dilatado que aproxima o espectador da materialidade, ainda que a narrativa, poderosa, suba à superfície da cena como pequenos relâmpagos. Dilatar o tempo é como ver pelo microscópio e perceber os detalhes das coisas antes do organismo – antes da causalidade, da narrativa, de dar nome aos órgãos. É a parte em que tudo é uno, corpo que também é parede, que é tempo. Corpo-parede-tempo, composição que só se modifica pela alternância dos estados físicos.

Uno e concreto, como o corpo dos atores. Com roupas da mesma tonalidade, que pouco se distinguem entre si, remetendo por vezes à vestimenta de trabalho, os atores estão no palco como massa de um só, bloco de um, coro. Não tem “eu”, não tem personagem, figuras etc., estão no palco atuando, apenas, agindo. Tomando recorrentemente um o lugar do outro no que seria uma mesma partitura física/coreografia, seus corpos se conectam e apresentam-se como único. A imagem mais forte que pode ser descrita como exemplo é a sequência em que os atores sucessivamente atravessam pelo buraco do centro da parede; um vindo da parte de trás, o outro “entrando” pela frente, os desenhos dos corpos revelam o jogo de quebra-cabeças no qual apenas um corpo inteiro pode aparecer, ainda que formado por partes de mais de um ator. Assim, as partes de cima do tronco pertence a um, as de baixo a outro ator, e outras múltiplas alternâncias neste sentido se dão. O corpo é um, mesmo fragmentado, expandido por todos.

Metáfora contundente das repetições diárias, do trabalho massivo, o rolar eterno da pedra de Sísifo, o espetáculo pode ser visto como esta crítica que se opõe a viver sob a restrição do mito. Porém, se o mito (a narrativa) é o que te faz morrer, still lifeé a força que te mantém vivo (agindo) em tempo-morto. O tempo na vida não se configura em suspensão, fugir do mito, então, está mais próximo da utopia. Em vez de estar fadado ao inevitável peso da história, propõem-se uma autonomia da narrativa, mas em relação dialética. A rotina está lá, morta, você não.

O peso da parede sobre as costas dos atores deixa no máximo um rastro de pó. A parede, inclusive, não passa de uma espuma de grandes proporções. O morto, ainda, não deixa de ser bonito. Na penúltima cena do espetáculo, os atores trazem até a frente da plateia uma mesa na qual se sentam para uma refeição tipicamente mediterrânea. Frutas, frutos, louças, objetos inanimados dos quadros de natureza-morta. O aroma das ervas e azeitonas é bom. A cena simula uma refeição entre amigos, os atores gesticulam como se estivessem conversando, mas não há som. Aliás, não há fala no espetáculo, a voz não se propaga em tempo parado. E não é preciso ouvir a voz neste caso, porque qualquer um é capaz de supor as banalidades que são ditas nas refeições cotidianas frugais. Qualquer um ouve este silêncio. A voz da narrativa está nas cabeças dos espectadores, sem fuga. A cena bonita é um exemplo inconfundível da rotina morta que temos prazer em repetir.

Mesa-redonda e lançamento de livros na Prática da Crítica na MITsp 2016

Foto de Caio Nigro.
Foto de Caio Nigro.

A Documenta Cena – Plataforma de Crítica realizou uma ação denominada Prática da Crítica na MITsp 2016 e produziu diariamente, ao longo da mostra, críticas sobre os espetáculos para veiculação impressa e eletrônica. Além disso, o grupo participou da mesa-redonda Recepção e Crítica, com Edélcio Mostaço, Daniele Avila Small, Kil Abreu e Patrick Pessoa, mediação de Luciana Romagnolli, no dia 7 de março das 14h às 16h30. Houve lançamento dos seguintes livros:

O Crítico Ignorante: uma negociação teórica meio complicada (7 Letras), de Daniele Avila Small

Soma e Sub-tração – territorialidades e recepção teatral (Edusp), de Edélcio Mostaço

Para Alimentar o Desejo de Teatro, de Maria Lúcia Pupo (Hucitec)

As atividades foram realizdas no Itaú Cultural.

 

Foto: Caio Nigro.