Crítica a partir do espetáculo 2+2=2, por Daniel Toledo (Horizonte da Cena/DocumentaCena)
Cena Contemporânea 2015
Seja no Brasil ou na Geórgia, país ex-soviético situado na instigante fronteira entre o Ocidente e o Oriente, as relações estabelecidas entre valores e culturas tradicionais e o que se costuma chamar de modernidade ou mesmo globalização cultural têm despertado, já há algum tempo, a atenção crítica de pensadores e criadores contemporâneos. Pois é justamente a essas relações que se volta o espetáculo 2+2=2, produção realizada a partir de uma parceria entre o pesquisador e diretor brasiliense Rodrigo Fischer e artistas do Akmeteli Theatre, da Geórgia.
Nesta montagem, apresentada pela primeira vez no Brasil após estrear em março em Tbilisi, capital do país europeu, estão presentes elementos explorados pelo diretor em outras montagens, tais quais o uso intensivo da música e do vídeo, assim como uma encenação de caráter performativo marcada por atuações despojadas e frequentes interações com o público. Também se observa, em 2+2=2, um uso bastante livre e criativo de letterings, que servem tanto para traduzir as falas dos atores quanto para introduzir breves narrações, comentários e questionamentos lançados diretamente ao público.
Conduzido por quatro atores – ou performers – e por seu próprio diretor, que permanece todo o tempo à beira do palco, de onde estabelece recorrentes diálogos com a cena, o espetáculo se estrutura a partir de uma dramaturgia fragmentada em que as questões perseguidas pela montagem são, aos poucos, e de modo nem sempre muito claro, trazidas ao palco.
Chamados sempre por seus próprios nomes, Andria, Sopho, Giorgio e Gigi se revezam, então, no protagonismo da cena, oferecendo ao público relatos aparentemente documentais nos quais expõem seus conflitos em relação a pulsos de tradição e modernidade que nem sempre lhes parecem confortáveis. A esses relatos, às vezes claramente cômicos, às vezes um tanto solenes, são articulados quadros musicais, coreográficos e audiovisuais que corroboram o tom performático da montagem.
O que se sugere a partir desses depoimentos, no entanto, parece ser uma divisão binária entre o tradicional e o moderno, desconsiderando, em certo sentido, a complexidade e as matizes dessa relação, em permanente negociação e inevitável deslizamento. Com isso, tanto as personas apresentadas no palco, quanto seus conflitos e as resoluções propostas para estes conflitos correm o risco de reproduzir – mais do que problematizar – os estereótipos a que pretendem criticar.
Tais estereótipos, aliás, são reforçados por algumas situações dramáticas que, paralelamente à composição performática de 2+2=2, simulam diante do público o desenvolvimento de uma narrativa ficcional envolvendo os quatro atores, então convertidos em personagens um tanto simplificados de si mesmos.
Tendo em vista as reações da plateia, constantemente estimulada ao riso fácil e às palmas, o espetáculo parece funcionar na dimensão do entretenimento, apoiando-se em muitos momentos no virtuosismo e no despojamento de seus intérpretes, mas talvez não alcance, ainda, a problematização das questões que ambiciona compartilhar com o público.
Publicado no site do Cena Contemporânea 2015:
http://www.cenacontemporanea.com.br/personagens-de-si-mesmos/