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Grupo bom é grupo morto

Foto: Júnior Aragão
Foto: Júnior Aragão

Crítica do espetáculo Adaptação, por Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?)

Cena Contemporânea 2014

29 de agosto de 2014

A companhia Teatro de Açúcar, de Brasília, “morreu” em 2012. Mas depois disso montou alguns espetáculos, inclusive o criativo Adaptação, monólogo defendido por Gabriel F., que foi exibido na 15ª edição do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. (Adaptação estreou em Brasília em janeiro de 2013, financiado pelo Ministério da Cultura do Distrito Federal. E no início deste ano participou do Janeiro de Grandes Espetáculos, no Recife). Os motivos do óbito são fáceis de adivinhar: dificuldades financeiras para manter as atividades da equipe – sintomas que acometem outros conjuntos Brasil à fora.

O monólogo leva ao palco uma transexual, atriz, que ensaiou durante três ou quatro meses com um encenador de ideias vacilantes e hoje é sua estreia. Precisa improvisar.

E para falar de ameaças de desaparecimento, o bando institui paralelismos dentro da cena com personagens que buscam driblar a extinção. No caso um diretor que vive uma crise de criação do espetáculo e já pensa em mudar de profissão, uma atriz que veio do interior e precisa se acostumar ao novo estilo na capital, uma transexual – que por sinal é a atriz- às voltas com sua nova identidade e um dinossauro de futuro incerto.

Os procedimentos para tratar de todas essas questões são inventivos. O que fica é que todos querem sobreviver.

Para formar o quadro estão na cena um minúsculo piano, um microfone com pedal, uma caixa de equipamentos sonoros, uma mesa coberta por toalha, um dinossauro de brinquedo e uma taça. No chão, um jarro.

Entra uma figura estranha, mas bonita. Traz flores. Peruca loura, sapatos vermelhos de salto alto e um ar que mistura uma personagem interiorana com uma figura que vai sobreviver. Mesmo que para isso precise adaptar-se.

O verbo que faz referência ao fato de ajustar uma coisa à outra. Então, se acomodar a diversas circunstâncias e condições. A personagem faz bem isso e o registro do intérprete a esse processo é o meio-tom em que alguém vai expondo sua situação, seus limites, e ao dizer coisas com tanta sinceridade dribla o ato ridículo e consegue a cumplicidade da plateia.

É um progressivo conquistar do público, ao falar da crise do teatro, das estacas do contemporâneo, das técnicas ironizadas pelo ator.

A primeira parte de Adaptação é uma sequência de justificativas sobre o vazio da cena, com frases de inteligência mordaz e pelo menos dois momentos de uma beleza crítica desconcertante. Quando ele mostra, com as mãos, um dinossauro (e neste caso a iluminação é determinante) e a evolução disso quando o ator explora gestos e finaliza com uma frase de que adora dança contemporânea.

Esse discursar sobre o vazio é redirecionado para a música (Gota de Sangue, de Angela Rô Rô e uma outra autoral) e para uma pequena fábula de um encontro quase amoroso e sua impossibilidade diante das convenções sociais. No caso, da atriz transexual e seu professor de piano na sua cidade do interior.

O registro interpretativo, num tom de negociação, vai conquistando o seu interlocutor aos poucos, também me parece um pouco dessa camuflagem como mecanismo de defesa da qual fala a personagem sobre o camaleão que engana os possíveis predadores.

É uma encenação que destaca a ironia desse viver contemporâneo, sem lições de moral. Tem potência, mesmo quando parece falar do nada. É uma dramaturgia original, com humor sutil, uma peça divertida para falar do medo do fim. A caracterização do ator é ponto alto da montagem.

Dispensaria apenas o cigarro fumado em cena.